DÚVIDAS

Derivação (artificial) de palavras

Tenho uma dúvida concernente à formação de palavras. Segundo a gramática de Celso Cunha, se um vocábulo denota ação ele será derivado de um verbo, e, ao contrário, se denota substância ou estado, ele seria primitivo, e o verbo correspondente, este sim, seria o derivado. Assim, canto, dança e beijo seriam derivados respectivos de cantar, dançar e beija – o que constitui exemplos claros de derivação regressiva. Por outro lado, arquivar, ancorar e azeitar, seriam primitivos de arquivo, âncora e azeite, respectivamente; creio que plantar também seria derivado de planta. A questão é a seguinte: que tipo de derivação é esta última?

É fácil compreendermos que ancorar vem de âncora, mas isto seria uma derivação prefixal? Se sim, por que motivo, já que a terminação "ar" não é exatamente um sufixo, mas antes a junção de uma volgal temática com a desinência modo-temporal de infinitivo. Numa gramática de segundo grau – da qual não me recordo o nome –, verifiquei um exemplo similar aos anteriores em que o "ar" aparece como sufixo.

Afinal, para efeito de derivação de um substantivo para o verbo, nós devemos considerar o "ar" (ou "er" ou "ir") como sufixos? Ou estaríamos efetivamente diante de um tipo de derivação à parte?

E em relação a palavras como "embarcar"? Seria uma derivação parassintética, com os afixos "em" e "ar" – pois aí o primitivo seria barco, não?

Queira perdoar-me o "mail" extenso, mas achei que seria uma dúvida interessante, de um tópico que sempre suscita dúvidas no ensino de segundo grau.

Um abraço e desde já agradecido pela atenção,

Resposta

Não se pode considerar plantar derivado de planta, porque vem do verbo latino plantare. Só artificialmente, portanto, se afirmará que plantar deriva de planta, o que servirá a quem não souber a origem latina do verbo. Em ancorar não há derivação prefixal, porque âncora não é um prefixo, tem vida à parte, é uma palavra primitiva (vinda do grego, através do latim). Canto vem do lat. cantu- e beijo do lat. basiu-, pelo que se trata também de palavras primitivas, e não exemplos de derivação regressiva, como talvez seja o caso de dança. Ancorar, arquivar, azeitar são, de facto, palavras derivadas (já dentro do português, por conseguinte), de âncora, arquivo, azeite. Nos nossos verbos, -ar, etc. são sufixos se aqueles se formaram no português, como nos três últimos exemplos. Nos verbos como beijar (do lat. basiare) e cantar (do lat. cantare), foi em latim que o sufixo se juntou ao substantivo (-are, etc.), e estes verbos, dentro da língua portuguesa, rigorosamente são palavras primitivas, porque os seus étimos já eram verbos latinos. Moralidade da história: para estas classificações se fazerem com rigor científico, é necessário saber a origem tanto quanto possível exacta das palavras, neste caso substantivos e verbos. Embarcar é, na realidade, palavra parassintética, pois, como diz, formou-se em português: em + barco + ar.

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