DÚVIDAS

A função sintáctica do gerúndio (tendo)

Na frase «Não o imagino tendo raiva de alguém», qual é a função sintática do gerúndio (tendo)? E poder-se-ia considerar nesse caso o pronome oblíquo como sujeito acusativo desse gerúndio?

Desde já, muito obrigado.

Resposta

Trata-se de uma frase complexa, contendo uma oração subordinada. Esta poderia muito bem ter a forma seguinte: 

(1) Não imagino [ que o João tenha raiva de alguém]. 

O verbo selecciona como complemento uma frase que pode também apresentar um infinitivo preposicionado ou um gerúndio (caso do português do Brasil), pelo que recebem a designação de Construções de Infinitivo Gerúndio. 

(2) Não imagino [o João a ter raiva de alguém]. 

(3) Não imagino [o João tendo raiva de alguém]. 

Em qualquer destas variantes, o argumento com função e sujeito da frase encaixada parece ser movido para o domínio do verbo da frase matriz, como sugere. 

(3a) Imagino o Joãoi [  [-]i       tendo raiva de alguém]. 

No português europeu, pelo menos, «o clítico associado à posição de sujeito do domínio encaixado ocorre na forma acusativa adjacente ao verbo [da frase principal]». A próclise está associada à presença da negação: 

(3b) Imagino-oi [  [-]      tendo raiva de alguém]. 

(3c) Não oi imagino [  [-]i       tendo raiva de alguém]. 

Quanto à questão que colocou, «tendo» é núcleo de categoria, não é projecção máxima. Assume um papel sintáctico apenas como projecção máxima (SV ou Frase). Como frase, em (1) tem a função de complemento directo, argumento interno do verbo imaginar

Em (3c), a questão é um pouco mais complexa: a função de complemento directo parece encontrar-se preenchida pelo clítico [o]. A categoria restante [tendo raiva de alguém], tradicionalmente, seria chamada de subordinada adjectiva reduzida de gerúndio, com um papel sintáctico muito próximo daqueles desempenhados pelo adjectivo na frase seguinte: 

(4) Não o imagino colérico. 

No entanto, uma questão se coloca: o que preenche a necessidade argumental interna do verbo? O que é que eu não imagino? [ele] ou [ele tendo raiva de alguém]?

Em desenvolvimentos não tão recentes quanto isso, a estrutura [ele/o tendo raiva de alguém] é chamada de «Oração Pequena», e, enquanto tal, é o argumento interno do verbo, um pouco à semelhança do que se passa com a frase (1). A mesma análise se poderá fazer em relação a (4), considerando implícito o verbo de ligação. Será o fim do predicativo do complemento directo?

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