Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

No contexto do processamento de cachalotes, que palavra está correta? Desmanche, desmancha, ou desmancho?

Ou será que as três formas estão certas?

Cumprimentos.

Resposta:

Atendendo ao significado de desmanche («ato ou efeito de desmontar, de desmantelar mecanismos, engenhos ou máquinas»), desmancha («ato ou efeito de desmanchar(-se); desmancho») e desmancho («alteração, decomposição, desestruturação de algo que já estava feito, construído ou elaborado; desconjuntamento de um osso, uma articulação etc.; luxação, deslocamento»), verificamos que o uso de qualquer um dos substantivos é plausível quando se fala no processo de «desossar, partir em bocados um cachalote ou baleia» (fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss). Além dos significados das palavras, páginas disponíveis na Internet comprovam, também, o uso das três formas para se falar do mesmo processo. Refira-se que, mesmo sendo aceitável o uso das três expressões, parece existir preferência pelo uso da expressão «desmanche do cachalote/baleia», como se verifica na seguinte frase (notícia das páginas da Universidade dos Açores):

«[...] do corpo de um cachalote que ocupava a rampa de desmanche da fábrica da baleia do Porto Pim, ilha do Faial, foi retirado um exemplar de tubarão-frade [...].»

Pergunta:

Qual o feminino de escorpião? "Escorpião-fêmea"? "Escorpiã"? Não encontro consenso...

Obrigado!

Resposta:

Não há registos da forma de feminino para o substantivo escorpião, nomeadamente no Vocabulário Ortográfico do Português (ILTEC), pelo que assumimos que para este substantivo o feminino é escorpião-fêmea.

Este substantivo, uma vez que pertence ao grupo dos «nomes dos animais que possuem um só género gramatical para designar um e outro sexo» (Cunha, C., Cintra, L., 1997, Nova Gramática do Português Contemporâneo), é um substantivo epiceno.  

Pergunta:

Alguma destas construções está correcta?

«Não me restou alternativa senão implorar a ajuda de todos os deuses de que me lembrei.»

«Não me restou alternativa senão implorar por ajuda a todos os deuses de que me lembrei.»

«Não me restou alternativa senão implorar pela ajuda de todos os deuses de que me lembrei.»

A questão pode ser contornada escrevendo-se: «Não me restou alternativa senão implorar a todos os deuses de que me lembrei que me ajudassem», mas gostava de saber quais as construções possíveis com implorar e também com suplicar.

No caso de implorar, deve escrever-se:

«Implorei todas as ajudas possíveis», ou «implorei por todas as ajudas possíveis»?

Muito obrigado.

Resposta:

Tal como pedir, os verbos implorar e suplicar são verbos transitivos diretos e indiretos, ou seja, ocorrem com um complemento direto («aquilo que se implora/suplica») e um complemento indireto («a pessoa a quem se implora/suplica»)1. Note-se, porém, que dados do português do Brasil indicam que, pelo menos nesta variedade, se aceita também o emprego da preposição por a introduzir o complemento referente à coisa que se implora ou suplica (cf. Francisco Borba, Dicionário de Uso do Português do Brasil, São Paulo, Editora Ática, 2002); exemplos (idem):

(1) «O ministro Jatene implora por recursos para a saúde.»

(2) «Havia-os desgarrados de si mesmos como se suplicassem pela própria existência.»

Diga-se, contudo, que, entre as frases em questão, as mais adequadas do ponto de vista do português de Portugal são as que apresentam complemento direto: «Não me restou alternativa senão implorar a ajuda de todos os deuses de que me lembrei»; «Implorei todas as ajudas possíveis».

1 Consultar J. Malaca Casteleiro, Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses (Lisboa, Texto Editores, 2007).

Pergunta:

Não encontrei em dicionários de língua portuguesa a palavra traçabilidade. Contudo, inúmeras pessoas escrevem-na deste modo: traceabilidade. Não será esta última mais "inglesada"? É correto usar uma das duas? Qual delas a correta?

O uso pretendido para estas palavras é numa ótica de identificação dos passos anteriores de um processo para o estado atual. Será a mais correta para este caso rastreabilidade?

Obrigado.

Resposta:

Nos diversos dicionários de língua portuguesa consultados não há registo da palavra pretendida com nenhuma das grafias: traçabilidade e traceabilidade. No entanto, esta palavra encontra-se em corpora de tradução disponíveis na Internet com as duas grafias, sugerindo tratar-se de uma tradução do vocábulo inglês traceability. Este vocábulo inglês é formado a partir do adjetivo traceable, que, por sua vez, está relacionado com o verbo to trace, que significa «traçar; desenhar; seguir as pegadas; investigar». Nesta linha, relaciona-se traçabilidade com o verbo português traçar, que, no entanto, não tem o mesmo significado que o verbo inglês, apesar da origem latina comum. Assim, se quisermos «seguir as pegadas» ou «investigar», ou seja, «identificar a origem de um produto e reconstruir o seu percurso desde a produção até à distribuição» (Dicionário da Porto Editora, em linha), o mais correto é usarmos o vocábulo rastreabilidade, que, não sendo tradução direta e exata do inglês traceability, é um substantivo que se relaciona com o verbo rastrear, que, por sua vez, recobre significados do verbo to trace, ou seja, «seguir as pegadas; investigar».

Pergunta:

Qual a diferença entre prefácio e introdução?

Resposta:

Apesar de serem substantivos sinónimos, há distinção entre o prefácio e a introdução.

Prefácio é um «texto preliminar de apresentação, geralmente breve, escrito pelo autor ou por outrem, colocado no começo do livro, com explicações sobre seu conteúdo, objetivos ou sobre a pessoa do autor» (Dicionário Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001). Já a introdução, que surge depois do prefácio, mais do que servir «de abertura para uma tese/livro» (idem), é todo «o texto que apresenta as primeiras ideias ou argumentos sobre a matéria que há-de ser desenvolvida num texto mais amplo» (E-Dicionário de Termos Literários, em linha). Esta contém, ainda, o assunto geral ou o tema a tratar, a contextualização do texto, «os principais fundamentos ou argumentos e, em certos casos, uma apresentação da(s) personalidade(s) literária(s) do(s) autor(es)» (idem).