Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Ele se sentou à mesa», o verbo sentar-se é intransitivo, ou transitivo indireto? Qual seria a função sintática de «à mesa»? Poderia apresentar uma referência de algum gramático do Brasil para justificar sua resposta?

Obrigado!

Resposta:

De acordo com Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 513, «os [verbos] intransitivos expressam uma ideia completa: O menino correu. [/] A criança dormiu. [/] O velho morreu. [/] Pedro viajou.», ao passo que «os transitivos [...] exigem sempre o acompanhamento de uma palavra de valor substantivo (OBJECTO DIRECTO ou INDIRECTO) para integrar-lhes o sentido: O menino comprou um livro. [/] O velho carecia de roupa. [/] Pedro deu um presente ao amigo

Valerá ainda a pena dizer que, na perspectiva do Dicionário Terminológico (DT), os verbos transitivos indirectos são verbos principais que exigem «um sujeito e um complemento indirecto (i)-(ii) ou oblíquo (iv)-(v).

(i) A prenda agradou à Ana.
(ii) A prenda agradou- lhe.
(iii) *A prenda agradou.
(iv) A Margarida vai a Paris.(1) 
(v) A Margarida vai .
(vi) *A Margarida vai.»
 

Ora, tendo em conta os raciocínios apresentados, no enunciado sugerido pelo consulente, sentar-se é intransitivo, pois o constituinte «à mesa» não é exigido (ou seleccionado) pelo referido verbo pronominal. Assim, a ausência de «à mesa» em nada fere a gramaticalidade da frase em análise: «Ele se sentou [à mesa].»

Deste modo, numa perspectiva tradicional da análise linguística, podemos dizer que «à mesa» é um

Pergunta:

Antes de mais nada, parabéns pelo site. Sei que já analisaram questão parecida antes, mas gostaria muito de nova análise, com cautela. Posso até estar errado, mas preciso dividir isso com pessoas mais capazes que eu. A primeira vez que li em uma gramática que o quem é um pronome relativo sem antecedente, achei um absurdo. Explico por quê: é sempre possível substituir tal pronome (que, para mim, é um simples pronome indefinido) por uma locução pronominal indefinida quem quer que ou seja quem for que. Assim, não há o porquê de malabarismos analítico-nomenclaturais ao quem, tão perpetuados, qual dogma, por grandes mestres (eles fazem moda... mas o tempo passa). Exemplo: «Quem comigo não ajunta espalha» ou «A presidenta só convida quem tem potencial»; "alguns" vão dizer que o quem é um relativo sem antecedente, mas "qualquer um" sabe que a substituição por uma locução pronominal indefinida é muito acertada e reflete o uso da língua: «Seja quem for que comigo não ajunta espalha» e «A presidenta só convida "quem quer que" tenha potencial». Assim, não há relativo sem antecedente coisa nenhuma (na minha cabeça de falante, e culto), o que há é um mero pronome indefinido.

Gostaria de ouvir suas considerações, pois acho sinceramente que não estou lucubrando.

Resposta:

Tem razão o caro consulente em grande parte do raciocínio que teve a amabilidade de partilhar connosco. Porém, não vislumbro razões para que a designação mais tradicionalista relativos indefinidos (aplicada aos pronomes quem e onde), dependendo dos contextos, não continue a ser utilizada, apesar de, aparentemente, as gramáticas e os estudos mais recentes a não usarem de forma tão recorrente. De facto, esta nomenclatura permite, creio eu, resolver parte do  problema delineado pelo consulente, pois, efectivamente, na maioria dos casos em que não existe antecedente explícito, o pronome quem pode ser substituído por uma locução pronominal indefinida (tal como o consulente bem sublinhou) e apresentar, portanto, características de pronome indefinido. 

Lindley Cintra e Celso Cunha (tal como Evanildo Bechara), por exemplo, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (p. 346) falam em pronomes relativos sem antecedente (ou relativos indefinidos = quem e onde), dando como exemplos as seguintes frases: «Quem tem amor, e tem calma, / tem calma... não tem amor... [...]»; «Passeias onde não ando, / Andas sem eu te encontrar.».

Contudo, e aqui residirá uma outra vertente da questão apresentada pelo consulente, de imediato, os citados gramáticos têm o cuidado de dar conta da seguinte importante nota: «Nestes casos de emprego absoluto dos RELATIVOS, muitos gramáticos admitem a existência de um antecedente interno, desenvolvendo, para efeito de análise, quem em aquele que, e onde em no lugar em que. ...

Pergunta:

A grafia da palavra milhão é a mesma em Portugal e no Brasil.

Porém, a partir daí, em Portugal ocorre uma alteração no sufixo, trocando-se o "h" por "i", ou seja, escreve-se "bilião", "trilião" etc., enquanto no Brasil permanece o mesmo "h" do milhão: "bilhão", "trilhão" etc. (o que me parece mais coerente).

Por que ocorre essa mudança em Portugal?

Resposta:

Em primeiro lugar, valerá a pena referir que ambas as formas — bilião e bilhão — se encontram registadas na generalidade dos instrumentos linguísticos portugueses e brasileiros consultados (Dicionário Houaiss, Infopédia, Priberam, Dicionário Aurélio, Aulete Digital, Vocabulário Ortográfico do PortuguêsVOP, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras — VOLP ), sendo que os dicionários Houaiss e Priberam referem ainda que o termo bilhão é de uso informal, apesar de significar o mesmo que bilião.

Em segundo lugar, será importante percebermos que a etimologia do vocábulo milhão não é exactamente a mesma de bilião. A este nível, maioria dos dicionários já citados refere que o primeiro deriva «do italiano milione, "mil vezes mil", derivado de mille, "mil", com recurso ao sufixo aumentativo -one, provavelmente pelo francês million, "quantidade muito grande", também emprestado ao italiano», ao passo que o segundo tem origem na língua francesa, «[do] francês billion, calcado sobre o francês million, "quantidade muito grande"», notando-se que «tem sido aceita também a grafia bilhão, mas bilião é mais compat...

Pergunta:

Existem na área médico-dentária (as minhas dúvidas começam aqui mesmo...) inúmeras palavras cujo uso se foi generalizando mas cuja grafia suscita dúvidas à grande maioria dos profissionais com quem tenho falado. Assim, para cada um dos exemplos abaixo indicados*, gostaria de saber qual a opção mais correcta: unir as duas palavras que estão na sua origem (ex.: "medicodentária"), uni-las utilizando um hífen (ex.: "médico-dentária") ou mantê-las separadas (ex.: "médico dentária").

* "médico-dentária", (diagnóstico) "pré-ortodôntico", (considerações) "muco-gengivais", "pró/retro-inclinação" (incisiva), "sobre-erupção" (dentária), (reabsorção) "intra-óssea", (ortopedia) "dento-facial", (formação de) "pseudo-bolsas", (placa bacteriana) "sub/supra-gengival", (relação) "inter-arcadas", (radiografia) "peri-apical", ("brackets") "auto-ligáveis", (goteira) "termo-formada", (segmento) "incisivo-canino".

Desde já, muito obrigada!

Resposta:

O adjectivo médico-dentário escreve-se com hífen, encontrando-se registado, por exemplo, no Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), no Dicionário Houaiss e na Infopédia.

Para percebermos a grafia de alguns dos outros termos sugeridos pela consulente, convém termos em atenção a seguinte passagem do acordo ortográfico (AO) já em vigor (Base XVI):

1.º Nas formações com prefixos (como, por exemplo: ante-, anti-, circum-, co-, contra-, entre-, extra-, hiper-, infra-, intra-, pós-, pré-, pró-, sobre-, sub-, super-, supra-, ultra-, etc.) e em formações por recomposição, isto é, com elementos não autónomos ou falsos prefixos, de origem grega e latina (tais como: aero-, agro-, arqui-, auto-, bio-, eletro-, geo-, hidro-, inter-, macro-, maxi-, micro-, mini-, multi-, neo-, pan-, pluri-, proto-, pseudo-, retro-, semi-, tele-, etc.), só se emprega o hífen nos seguintes casos:

a) Nas formações em que o segundo elemento começa por h: anti-higiénico/anti-higiênico, circum-hospitalar, co-herdeiro, contra-harmónico/contra-harmônico, extra-humano, pré-história, sub-hepático, super-homem, ultra-hiperbólico; arqui-hipérbole, eletro-higrómetro, geo-história, neo-helénico/neo-helênico, pan-helenismo, semi-hospitalar. [...] 

b) Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina na mesma vogal com que se inicia o segundo elemento: anti-ibérico, contra-almirante, infra-axilar, supra-auricular; arqui-irmandade, auto-observação, eletro-ótica, mic...

Pergunta:

Recentemente, tive dúvidas relativamente ao uso do(s) particípio(s) passado(s) do verbo abrir, pelo que consultei uma gramática da Porto Editora, na qual se dizia que os particípios regular e irregular — abrido e aberto — deviam ser usados, respectivamente, com os auxiliares ter/haver e ser/estar.

No entanto, no vosso site, deparei-me com informação contrária. Segundo a dra. Conceição Saraiva, o verbo abrir tem apenas um particípio passado — aberto.

O particípio passado abrido está, de facto, errado? Ou simplesmente está a cair em desuso?

Obrigada!

Resposta:

Está correcta a informação constante da resposta citada pela consulente.

Aliás, a este propósito, Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 440, são muito claros: «Há alguns verbos da 2.ª e da 3.ª conjugação que possuem apenas particípio irregular, não tendo conhecido jamais a forma regular em -ido. São os seguintes: dizer/dito; escrever/escrito; fazer/feito; ver/visto; pôr/posto; abrir/aberto; cobrir/coberto; vir/vindo

No entanto, para que não reste qualquer tipo de dúvidas relativamente a esta matéria, os referidos gramáticos complementam ainda a informação transcrita com a seguinte observação a propósito do vocábulo desabrido: «Desabrido não é particípio regular de desabrir, mas forma reduzida de desaborido, "sem sabor", provavelmente de origem espanhola. Usa-se apenas como adjectivo, na acepção de "rude", "violento", "descontrolado" [cf., por exemplo, Dicionário Priberam e Dicionário Houaiss]. Assim: atitude desabrida; discurso desabrido; palavras desabridas; ventos desabridos» (op. cit., p. 440). Deste modo, à semelhança do que acontece com o verbo abrir, o particípio passado do verbo desabrir («Soltar, desistir de; desavir-se, malquistar-se...» —