Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Artigo crítico de Maria Regina Rocha, publicado no Diário do Alentejo de 3 de Abril de 2009.

Como consequência do recente Acordo Ortográfico, a Academia Brasileira de Letras acaba de lançar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que contém cerc...

«Não sou daqueles que recusa», ou «não sou daqueles que recusam»? Eça de Queirós é «um dos escritores que contribuíram para o prestígio da literatura portuguesa», ou Eça de Queirós é «um dos que contribuiu»? Em artigo publicado no Diário do Alentejo de 6 de Março de 2009, Maria Regina Rocha socorre-se de um saboroso trecho literário do escritor brasileiro Fernando Sabino para voltar a um tema recorrentemente questionado.

 

 

Pergunta:

Qual a origem da locução «dar pano para mangas»? Ela pode ser considerada um sinônimo para «fazer correr muita tinta»?

Obrigado.

Resposta:

As duas expressões referidas não são propriamente sinónimas, mas, em certos contextos, podem ter alguma proximidade de sentido.

Para esclarecer bem o seu significado, vou focar cinco expressões: «Não ter pano para mangas», «ter pano para mangas», «dar pano para mangas», «dar mangas» e «fazer correr muita tinta».

«Não ter pano para mangas» significa não ter por onde se alargar, não dispor de recursos suficientes para o que quer fazer, ter só alguns recursos, mas não todos os que permitiriam fazer tudo o que quer, tudo bem ou perfeito. Literalmente falando, não ter pano para mangas significa não ter tecido suficiente para fazer as mangas da peça de vestuário. Ora, a manga, embora seja uma parte importante da referida peça, pode não existir, ou seja, a sua ausência não inviabiliza por completo a peça de vestuário: pode haver uma blusa sem mangas, um vestido sem mangas, uma camisola sem mangas ou, mesmo, em extremo, um casaco sem mangas. Assim, quando alguém diz que não tem pano para mangas, pretende, em sentido figurado, dizer que não pode ir muito longe, não dispõe de muitos recursos, está limitado, ou, mesmo, que está atarefado, não podendo prestar atenção a tudo ou a todos que a solicitem.

Da expressão anterior se criou «ter pano para mangas», que significa ter muitos recursos, ter muitas potencialidades, ter muitos aspectos, ser extenso. Por exemplo, com a afirmação «esse assunto tem pano para mangas», pretende dizer-se que esse assunto vai dar muito que falar, tem muitos aspectos que vão permitir que se discuta longamente sobre ele. Com o mesmo sentido, existe «dar pano para mangas». Se um tema dá pano para mangas, tal significa que vai permitir muita discussão, muitos comentários.

«Dar mangas» é uma expressão menos utilizada: significa fornecer meio ou ocasião para fazer alguma coisa.

Falamos português, e não espanhol, francês ou romeno (outras línguas românicas), por uma série de factores que contribuíram para a construção da nossa identidade», escreve Maria Regina Rocha, na sua coluna "A vez… ao Português", no Diário do Alentejo, de 6 de Fevereiro de 2009.

 

 

Pergunta:

Tenho visto escrito em vários jornais, nomeadamente nos jornais Correio da Manhã e no Setubalense,  frases deste tipo: «… sob a ameaça de caçadeira de canos cerrados...»

E [há tempos], na Revista do semanário Expresso, podia ler-se: «… vendendo abaixo do valor a que comprou há sete anos, diz que vai serrar os dentes (oh! coitada) e assumir este investimento…»

O uso dos verbos cerrar e serrar tornou-se aleatório?

Resposta:

Os verbos cerrar e serrar exemplificam as palavras homófonas, ou seja, aquelas palavras que se lêem ou se dizem da mesma maneira, mas se escrevem de forma diferente, sendo o significado de cada uma, naturalmente, também diferente do da outra.

O verbo cerrar (do latim tardio serare, «fechar», proveniente do substantivo sera, «tranca, ferrolho») significa «fechar, tapar, unir fortemente, apertar», enquanto serrar (do latim serrare) significa «cortar com serra ou serrote».

Assim, o termo «caçadeira de canos serrados» designa uma arma cujos canos foram «serrados», ou seja, cortados por meio de uma serra, o que faz com que o disparo cause mais danos a pequena distância do que se a arma estivesse no seu estado original. Quanto aos dentes, é vulgar o uso da expressão «cerrar os dentes», que significa fechar bem a boca, com o maxilar superior e o inferior fortemente apertados um contra o outro, para poder suportar melhor uma dor. Tal acontecia antigamente quando se fazia uma intervenção cirúrgica quase sem anestesia ou quando uma mulher estava a dar à luz: cerravam-se os dentes para não se começar a gritar e perder o controlo.