Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual a origem da locução «dar pano para mangas»? Ela pode ser considerada um sinônimo para «fazer correr muita tinta»?

Obrigado.

Resposta:

As duas expressões referidas não são propriamente sinónimas, mas, em certos contextos, podem ter alguma proximidade de sentido.

Para esclarecer bem o seu significado, vou focar cinco expressões: «Não ter pano para mangas», «ter pano para mangas», «dar pano para mangas», «dar mangas» e «fazer correr muita tinta».

«Não ter pano para mangas» significa não ter por onde se alargar, não dispor de recursos suficientes para o que quer fazer, ter só alguns recursos, mas não todos os que permitiriam fazer tudo o que quer, tudo bem ou perfeito. Literalmente falando, não ter pano para mangas significa não ter tecido suficiente para fazer as mangas da peça de vestuário. Ora, a manga, embora seja uma parte importante da referida peça, pode não existir, ou seja, a sua ausência não inviabiliza por completo a peça de vestuário: pode haver uma blusa sem mangas, um vestido sem mangas, uma camisola sem mangas ou, mesmo, em extremo, um casaco sem mangas. Assim, quando alguém diz que não tem pano para mangas, pretende, em sentido figurado, dizer que não pode ir muito longe, não dispõe de muitos recursos, está limitado, ou, mesmo, que está atarefado, não podendo prestar atenção a tudo ou a todos que a solicitem.

Da expressão anterior se criou «ter pano para mangas», que significa ter muitos recursos, ter muitas potencialidades, ter muitos aspectos, ser extenso. Por exemplo, com a afirmação «esse assunto tem pano para mangas», pretende dizer-se que esse assunto vai dar muito que falar, tem muitos aspectos que vão permitir que se discuta longamente sobre ele. Com o mesmo sentido, existe «dar pano para mangas». Se um tema dá pano para mangas, tal significa que vai permitir muita discussão, muitos comentários.

«Dar mangas» é uma expressão menos utilizada: significa fornecer meio ou ocasião para fazer alguma coisa.

Falamos português, e não espanhol, francês ou romeno (outras línguas românicas), por uma série de factores que contribuíram para a construção da nossa identidade», escreve Maria Regina Rocha, na sua coluna "A vez… ao Português", no Diário do Alentejo, de 6 de Fevereiro de 2009.

 

 

Pergunta:

Tenho visto escrito em vários jornais, nomeadamente nos jornais Correio da Manhã e no Setubalense,  frases deste tipo: «… sob a ameaça de caçadeira de canos cerrados...»

E [há tempos], na Revista do semanário Expresso, podia ler-se: «… vendendo abaixo do valor a que comprou há sete anos, diz que vai serrar os dentes (oh! coitada) e assumir este investimento…»

O uso dos verbos cerrar e serrar tornou-se aleatório?

Resposta:

Os verbos cerrar e serrar exemplificam as palavras homófonas, ou seja, aquelas palavras que se lêem ou se dizem da mesma maneira, mas se escrevem de forma diferente, sendo o significado de cada uma, naturalmente, também diferente do da outra.

O verbo cerrar (do latim tardio serare, «fechar», proveniente do substantivo sera, «tranca, ferrolho») significa «fechar, tapar, unir fortemente, apertar», enquanto serrar (do latim serrare) significa «cortar com serra ou serrote».

Assim, o termo «caçadeira de canos serrados» designa uma arma cujos canos foram «serrados», ou seja, cortados por meio de uma serra, o que faz com que o disparo cause mais danos a pequena distância do que se a arma estivesse no seu estado original. Quanto aos dentes, é vulgar o uso da expressão «cerrar os dentes», que significa fechar bem a boca, com o maxilar superior e o inferior fortemente apertados um contra o outro, para poder suportar melhor uma dor. Tal acontecia antigamente quando se fazia uma intervenção cirúrgica quase sem anestesia ou quando uma mulher estava a dar à luz: cerravam-se os dentes para não se começar a gritar e perder o controlo.

Artigo de Maria Regina Rocha, na sua coluna "A vez... ao Português" do "Diário do Alentejo" de  23 de Janeiro de 2009, sobre a ancestralidades de seis palavras à primeira vista tão diferentes.

Pergunta:

Estou estudando para concursos públicos e, ao estudar Direito Administrativo, a respeito do assunto Teoria dos Motivos Determinantes, deparei-me com a seguinte oração em uma questão de simulado enviada por colegas:

«Ocorre a aplicação da teoria dos motivos determinantes, quando o administrador declina os motivos que levaram à prática do ato administrativo, vinculando, dessa forma, os motivos à efetiva existência fática dos mesmos.»

Busquei no meu Aurélio de bolso a definição do verbo declinar e encontrei:

«Recusar, baixar, desviar-se do rumo, descer, descair, enunciar as flexões (de nomes e pronomes)» e surgiu a dúvida: Será que o uso nesta frase está correto?

Não, seguramente, como sinônimo de «declarar, mencionar, expressar», que é como se encaixaria na oração.

Possuo um livro que usa o verbo declarar em frase muito semelhante:

«Segundo a Teoria dos Motivos Determinantes, quando a Administração declara o motivo que determinou a prática de um ato discricionário que, em princípio, prescindiria de motivação expressa, fica vinculada à existência do motivo por ela, Administração, declarado.»

(Direito Administrativo Descomplicado).

Esta oração com o verbo declinar é muito comum na web — Achei várias entradas no Google, por isso surgiu a dúvida. Será que estou enganada, ou é possível que um erro de digitação ou ortografia tenha se espalhado mesmo na Internet?

Antecipadamente agradeço pelo esclarecimento.

Resposta:

Na linguagem jurídica brasileira, a expressão «declinar os motivos» significa «enunciar os motivos». Tal acepção está registada no Dicionário Novo Aurélio Século XXI: 15. e 23. enunciar ou revelar, nomear. Esta palavra também é usada em contexto gramatical com o significado de «enunciar as flexões de nomes, pronomes ou adjectivos»: repare-se que a palavra declinar é da mesma família de declinações (em latim, em grego ou em alemão, por exemplo), ou seja, a enunciação de todos os casos de uma palavra.

Assim, na frase apresentada, o termo declinar significa, sim, «enunciar, declarar».

A finalizar, transcrevem-se excertos de dois textos sobre o assunto em causa, para uma melhor compreensão do mesmo.

1. Aqui, pode ler-se a passagem que se segue, da autoria do prof. Alírio de Oliveira Ramos, do Curso de Administração da Faculdade Unicerto:

«A motivação dos atos administrativos vem se impondo dia a dia, como uma exigência do Direito Público e da legalidade governamental. Pela motivação, o administrador público justifica sua ação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática. A Teoria dos Motivos Determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos.»

2. Na edição n.º 2 de 2003 – Ano XXI, da Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, num artigo de Emerson Garcia intitulado «A moralidade administrativa e sua densificação», capítulo 6.4., pode ler-s...