Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra constante do título está bem escrita.

Resposta:

Não encontrei registos de tal palavra. Existe filogénese e ontogénese, filogenia e ontogenia.

Pergunta:

Recorro novamente aos senhores, pedindo-lhes encarecidamente que me confirmem ou não a construção da seguinte frase: estávamos finalmente em contacto com o dialecto molelense, como os populares desta vila lhe chamam.
Estaria errado dizer... como os populares desta vila o chamam/chamam-no?
Mais uma vez o meu muito obrigado.

Resposta:

Seria, sim, incorrecto dizer “o chamam” ou “chamam-no”. A forma correcta é “lhe chamam”.
Para o caso vertente, interessa considerar duas das acepções do verbo chamar.
Um delas é a de “pedir a alguém que venha, convocar, convidar”. Nesta acepção, o verbo pede complemento directo, sem preposição, podendo esse complemento directo ser substituído pelo pronome pessoal forma de complemento directo “o”: “Para o ajudar, ele chamou um amigo.” = “Ele chamou-o.”
A outra é a de “designar, apelidar, dar nome, classificar”. Nesta acepção, o verbo chamar pede dois complementos, um deles introduzido pela preposição “a”, que pode ser substituído pelo respectivo pronome, forma de complemento indirecto: “Ela chamou sábio ao professor” = “Ela chamou-lhe sábio.” Em Portugal, é esta a construção correcta.
No entanto, não há consenso entre os filólogos na classificação do complemento “ao professor”. Há os que o consideram um complemento indirecto, e outros, um complemento directo preposicionado. Independentemente da sua classificação, em Portugal, a forma pronominal desse complemento do verbo chamar é sempre a do pronome pessoal forma de complemento indirecto (me, te, lhe, nos, vos, lhes), usada actualmente e abonada por inúmeros escritores do passado e do presente.
Epifânio da Silva Dias, na sua Sintaxe Histórica Portuguesa, página 110, é muito claro a este respeito, dizendo que o verbo chamar, neste sentido de “chamar nomes a alguém”, se constrói “de ordinário com a pessoa ou cousa por compl. indirecto, e o nome, (ainda quando adjectivo) por compl. directo: Apresenta-se diante delle, repreende-o com lingoagem e sembrante senhoril, chama-lhe juiz injusto, escravo vil do inferno, lobo do sangue humano, e cruel ministro de vãos e cruelíssimos Emperadoes (Sousa, V. do Arc., I, 372).”

Pergunta:

Gostaria de saber se a seguinte frase está correcta e, se não, qual a forma correcta: "É favor guardar silêncio."
Grato pela atenção.

Resposta:

A frase está correcta, sim. Uma das acepções do verbo guardar é “manter, conservar”. A expressão guardar silêncio significa “manter-se em silêncio, abster-se de falar”.

Pergunta:

Como é que se conjuga o verbo denegrir?
É possível utilizá-lo em todas as pessoas e em todos os tempos e modos ou não?
Se susceptível de conjugação em todas as pessoas, tempos e modos, então qual a conjugação correcta?

Resposta:

Denegrir é um verbo irregular, que muda o “e” do radical em “i” nas formas rizotónicas, ou seja, aquelas em que o acento tónico recai na raiz.
Isso acontece em algumas pessoas do presente do indicativo (eu denigro, tu denigres, ele denigre, eles denigrem), do imperativo (denigre tu), e em todo o presente do conjuntivo (eu denigra, tu denigras, ele denigra, nós denigramos, vós denigrais, eles denigram).
As restantes formas são regulares.
Embora seja possível utilizar o verbo denegrir em todos os tempos, modos e pessoas, evita-se por vezes o emprego de certas pessoas, utiliza-se a perifrástica, a passiva ou o impessoal, por questões de eufonia e de eufemismo ou delicadeza.

Pergunta:

«Estou vendendo meus versos./
Não sei ao certo quanto valem, alguns estão bem cotados,/ Outros – coitados – tão desaprumados!/
Mas você já viu alguma mãe achar feio, mesmo um filho mal gestado?/
Para ela todos são lindos, até os desajeitados./
Estou vendendo meus versos.
São versos de todas as cores e alguns,
nem cor definida têm (2):/
acho que são incolores./
São versos de muitos sabores: sabor de amor, de tesão, de melancolia, de saudade, de nostalgia, de dúvida,
de transcendência, /
de antagonismo, de inquietação, mas em todos eles há um quê de "comunhão "/.
Sim, todos eles têm sabor de comunhão/
misturados com algumas certezas e outras tantas incertezas./
São versos briguentos com as rimas, alguns impetuosos, soberbos,/
outros com jeitão de pobreza, que vendo a preço de banana na feira-livre(3) da vida,/
na minha tenda de cigana.
Quem dá mais?/
Vamos lá, meu camarada!/
Não pechinches nem me venhas com esparrela/
Afinal, quem sabe se, com estes versos, tu não conquistas o amor/
de uma alma gentil e bela?
Vendo porque não posso retê-los e se não vender, farei doação./
É que preciso esvaziar-me de meus versos, preciso deixar leve/
a minha mente e livre o meu coração./
Queres ficar com eles?/
Se não pode, não ligues, não... mas aceita outra sugestão:/
aceita o meu coração.
Ama-me e deixa-me(4) prenhe de novas rimas./
... E, se teu amor for bom, nossos filhos serão
Obras Primas/» (5)

(de Fátima Irene Pinto)

(1) O «a venda» deve ter crase ou não?
(2) O "têm" concorda com "versos" ou seria tem concordando com "cor"?
(3) «Feira-livre» tem hífen?
(4) Seria «deixa-me prenha» ou "deixe-me prenha"?
(5) «Obras Primas» deve ser grafado com hífen?

Resposta:

1 – Na expressão «à venda», deve haver acento grave em “à” porque se trata da contracção da preposição “a” com o artigo definido feminino singular “a”. Se ela está a vender versos, os versos estão à venda.
2 – A forma verbal correcta é têm. O seu sujeito é “alguns” (alguns versos).
3 – Não encontrei registos de «feira livre» com hífen. Como é normal no processo de formação de palavras compostas, elas começam por se utilizar em justaposição sem hífen.
4 – Deverá ser «deixe-me prenha, visto as outras formas verbais também estarem no presente do conjuntivo.
No entanto, como se trata de poesia, poderia admitir-se a utilização intencional do presente do indicativo, despertando no leitor a atenção para a diferença de modo, se se pretendesse situar num presente decididamente desejado como real a consequência de aceitar o coração e cobrir. Mas tal interpretação seria mais lógica se esta oração «e deixa-me prenhe» estivesse separada das outras por vírgula, ponto e vírgula ou ponto.
5 – Sim. A palavra obra-prima é grafada com hífen, quando tem o sentido de «a melhor obra de um autor» ou de «obra perfeita ou considerada como tal».