Luís Filipe Cunha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Luís Filipe Cunha
Luís Filipe Cunha
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Doutorado em linguística; investigador do Centro de Linguística da Universidade do Porto.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou fazendo um trabalho com meus alunos sobre animais em extinção e surgiu este problema: devo dizer que «determinado animal em quase todos os anos figura na lista tal» ou «quase todos os anos figura na lista tal»?

Muito obrigada.


Resposta:

No sentido de encontrar uma resposta adequada a esta questão, importa, antes de mais, tentar compreender qual a função principal das expressões temporais introduzidas pela preposição em, confrontando-a com a daquelas que não ostentam qualquer preposição explícita.

Quando uma expressão temporal surge associada à preposição em, esta pode desempenhar uma de duas funções principais: a de medição de uma dada situação ou a de localização de uma situação num determinado intervalo.

Considerem-se os seguintes exemplos:

(1) «O técnico reparou o computador em dez minutos.»

(2) «A Maria fez o almoço em meia hora.»

Nestes casos, as expressões temporais introduzidas por em "medem" a duração das situações descritas, ou seja, indicam o tempo que demorou a reparação do computador ou a preparação do almoço.

No entanto, as expressões temporais introduzidas por em podem ter uma outra função: a de localização, como ilustrado nos seguintes exemplos:

(3) «No ano passado, a Rita visitou a sua tia.»

(4) «O João conheceu a Maria em 1999.»

(5) «Em Junho, comemora-se o S. João.»

Nas frases de (3), (4) e (5), a expressão temporal introduzida por em indica um determinado intervalo do tempo dentro do qual se localizam ou têm lugar as situações descritas: assim, por exemplo, é-nos dada a indicação de que o João conheceu a Maria num intervalo determinado do passado, neste caso
em 1999: aqui a expressão temporal não mede a duração da situação mas antes especifica o período concreto em que esta teve lugar.

Há, ainda, expressões temporais que não são introduzidas pela preposição em e que normalmente remetem para a quantificação de intervalos de tempo. Vejamos os seguintes exemplos:

(6) «Duas vezes por semana, a Rita visita a sua tia.»

(7) «Todos os dias o Rui vai para a escola.»

Nestas frases, a expressão temporal indica uma dada quantidade de intervalos de tempo que se r...

Pergunta:

Escreve-se "magnificamente", ou "magníficamente"?

Resposta:

A forma correcta é magnificamente, já que os acentos gráficos, no português, estão reservados apenas para a acentuação principal e nunca surgem em posições tónicas secundárias. Tratando-se de uma palavra grave, com acento principal na penúltima sílaba, magnificamente não recebe qualquer tipo de acento gráfico.

Pergunta:

Como se escreve a expressão "chico-esperto"? E qual o seu plural?

Obrigado e parabéns pelo site magnificamente instrutivo e esclarecedor.

Resposta:

De acordo com o Dicionário da Academia das Ciências, ed. Verbo, o único de entre os dicionários consultados onde a expressão aparece, a grafia correcta é chico esperto, sem hífen, designando «pessoa que tenta ludibriar os outros, julgando-se mais expedita do que eles». Trata-se de uma palavra composta por justaposição, formada a partir do nome chico e do adjectivo esperto. Sublinhe-se, tal como referido na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, ed. Sá da Costa, que o emprego do hífen nos compostos é «uma simples convenção ortográfica», o que significa que nem sempre os elementos justapostos vêm ligados por ele. Chico esperto é um caso que ilustra este carácter convencional do emprego do hífen nos compostos, na medida em que não o apresenta.

Embora integre, na sua origem, um nome próprio, Chico, o composto é utilizado como um nome comum, como se pode verificar pelo significado transcrito acima. Nesse sentido, obedece às regras gerais de formação de plural dos compostos. Tratando-se de uma estrutura formada por um nome e por um adjectivo, ambas as formas pluralizam, já que devem concordar em género e número, dando origem a chicos espertos.

Pergunta:

Qual a forma mais correcta? «Ter nível 3 a Língua Portuguesa», ou «ter nível 3 em Língua Portuguesa»?

Resposta:

Ambas as formas são correctas no português. No entanto, pelo menos para alguns falantes, têm significados um pouco diferentes.

Assim, na estrutura «ter nível 3 a Língua Portuguesa» verifica-se uma relação directa e estreita entre a classificação obtida e a disciplina em causa, ou seja, o nível alcançado refere-se estritamente à disciplina ou aos seus conteúdos. Por exemplo, no final de um ano lectivo, seria mais natural um aluno dizer que «teve nível 3 a Língua Portuguesa» do que dizer que «teve nível 3 em Língua Portuguesa». Esta segunda forma parece remeter para algum tipo de avaliação mais pontual dentro da globalidade da disciplina. Assim, um aluno dirá que «teve nível 3 em Português» se se refere a um determinado teste, a um conjunto de perguntas ou a qualquer outro tipo de avaliação de natureza mais concreta ou restrita. De facto, parece ser mais natural dizer-se «ter nível 3 no (= em o) teste de Língua Portuguesa» do que «ter nível 3 ao (= a o) teste de Língua Portuguesa». Embora muito subtil, esta distinção pode ajudar a explicar a coexistência das duas formas no português.

Pergunta:

Mácula e solitário derivam de que étimos latinos e por que via?

Resposta:

A palavra mácula deriva do étimo latino macula (macula, ae), naturalmente por via erudita.

Quanto à palavra solitário, deriva do étimo latino solitariu- (solitarius, a, um), também por via erudita.

Repare-se que, em ambos os casos, as alterações, em termos da evolução do latim para o português, são muito reduzidas, não só em termos da forma como também do próprio significado das palavras.