Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que me ajudassem com a etimologia de alguns nomes: Florbela, Florípedes (quanto a este, tenho inclusivamente dúvidas no que diz respeito à grafia correcta), Rosalinda e Santiago.

Resposta:

Baseei-me no Dicionário Onomástico-Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e na Antroponímia Portuguesa, de José Leite de Vasconcelos, para apresentar as seguintes etimologias: Florbela: contracção de flor e bela (Machado, op. cit). Floripes (e não “Florípedes”): talvez derive do nome de uma figura feminina de um auto popular de origem francesa; Machado (op. cit.) sugere mas não confirma que o nome provenha do latim flōre-, «flor». Rosalinda: a divulgação do nome terá que ver com Rosalind, nome de uma personagem de Shakespeare (As you like it); o dramaturgo inglês ter-se-á baseado no italiano, na aglutinação de “rosa linda”; mas há quem defenda que a origem deste nome está no antropónimo germânico “Roslindis”, formado por (“h)ros”, «cavalo», e “lindi”, «serpente» (idem). Santiago: antropónimo que deriva do topónimo Santiago, por sua vez, aglutinação de santo e de Iago, forma popular e medieval de Jacob. Desta aglutinação formou-se Tiago (cf. Vasconcelos, op. cit, pág. 75).

Pergunta:

Está, entre os informáticos, largamente generalizado o uso dos termos "justificado" e "por defeito".

Se para o primeiro é fácil encontrar o termo correcto para traduzir "justified" ("ajustado" e não ""justificado", neste contexto de alinhamento de texto), já para o segundo não sei que termo ou expressão portuguesa possa correctamente traduzir o "default". "Por defeito" é que não: O nosso "defeito" nada tem a ver com "default".

Poderá ser "por norma"?

Resposta:

O termo justificado está já de tal maneira vulgarizado, que me parece difícil substituí-lo por ajustado, como propõe o consulente. Não quero dizer com isto que seja impossível adoptar ajustado. Pode alguém ou um grupo influente considerar que ajustado é que é o termo preferível, e o uso mudar, porque se concorda que a palavra é semanticamente adequada ao conteúdo que se representa lexicalmente ou simplesmente por um comportamento de “ajustamento” sociolinguístico («parece mal usar “justificado”, o melhor é empregar “ajustado”) . No entanto, considero que não me cabe a mim decretar que uma forma seja melhor que a outra, porque não vejo razão para tal. Justified tem, em inglês, para além das acepções de «justificar», «explicar», as de «enquadrar», «centrar», as quais se atestam desde o século XVI («to make exact», isto é, «tornar exa(c)to»; ver Online Etymology Dictionary).

O novo uso de justificado é, de fa(c)to, um empréstimo semântico, uma vez que a uma palavra já existente em português se deu um significado que era característico da forma cognata (que evoluiu da mesma origem) em inglês. O sentido que justificado adquire por influência do inglês constitui, assim, um “decalque” ou tradução literal, de acordo com o que Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos explicam em Inovação Lexical em Português (Lisboa, Editora Colibri, pág. 56).

Note-se, por último, que no Brasil justificar está já dicionarizado com esta acepção: «transitivo direto Rubrica: artes gráficas. compor (as linhas de um texto) na mesma medida, com alinhamento à esquerda e à direita, aumentando ou diminuindo os espaços entre as palavras e letras se necessário; blocar (termo brasileiro...

Pergunta:

Qual o significado da palavra “encanitante”? Vi recentemente a palavra num artigo do Vasco Graça Moura no Diário de Noticias : « (...) o assaz encanitante Dr. Gilberto Madail (...)»

Resposta:

Encanitante é um adjectivo derivado por sufixação (sufixo -ante; cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 101) do verbo encanitar, que tem as seguintes acepções: «sofrer dos nervos», «irritar-se» e «irritar» (por exemplo, «ora, não me encanites!»; ver Caldas Aulete, Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, edição brasileira, Rio de Janeiro, Editora Delta, 1958 e José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, Círculo de Leitores, 1991).

Pergunta:

A seguinte frase – «Certo dia, resolveu divertir-se» – é simples ou complexa e porquê?

Resposta:

A frase é complexa. A oração subordinante é «Certo dia, resolveu», e a subordinada substantiva completiva é «divertir-se». Observe-se, porém, que esta análise não é evidente, porque se poderia comparar os verbos resolver, decidir ou deliberar com o verbo querer, que evidencia um comportamento muito semelhante ao dos auxiliares temporais, aspectuais e modais. A classe constituída por querer, desejar, tentar e conseguir (na qual também se incluem decidir, resolver e deliberar) não tem um comportamento homogéneo), mas podemos caracterizá-la pelo facto de todos os seus membros seleccionarem um complemento de infinitivo não flexionado, cujo sujeito remete para o mesmo indivíduo que o sujeito desses mesmos verbos (ver Anabela Gonçalves e Teresa da Costa, em (Auxiliar a) Compreender os Verbos Auxiliares, Lisboa, Edições Colibri, 2002, pág. 83): (1) o João quer enganar o mundo (2) *o João quer a Rita enganar o mundo Em (1), a frase é gramatical, porque o sujeito do infinitivo se refere à mesma pessoa que o sujeito de «quer», isto é, «o João». Em (2), a sequ[ü]ência é agramatical por violar a referida condição. Contudo, constata-se que o verbo querer forma um predicado complexo com o infinitivo que selecciona, porque, tal como andar (auxiliar aspectual) e poder (auxiliar modal), os pronomes átonos podem associar-se quer a estes verbos quer aos infinitivos que os completam: (3) o João anda-te a enganar/o João anda a enganar-te (4) o João pode-te enganar/o João pode enganar-te (5) o João quer-te enganar/o João quer enganar-te. Os pares apresentados em (3), (4) e (5) revelam que o pronome átono (isto é, o clítico te) tanto pode acompanhar o infinitivo como o verbo mais à esquerda...

Pergunta:

Eu sou estudante de graduação.

O que é a fonotáctica e o que significam os sinais < e > nela?

Resposta:

No Dicionário de Termos Linguísticos, fonotáctica define-se do seguinte modo: «Termo usado em fonologia para referir a organização específica, ou o comportamento táctico, de sons ou fonemas que podem ocorrer numa língua. Em português, por exemplo, sequências consonânticas tais como /fs/ e /spm/ não ocorrem em posição inicial de palavra. Estas restrições podem ser declaradas em termos de regras fonotácticas.»

Tanto quanto sei, os parênteses em ângulo não são específicos nem pertencem à fonotáctica. São usados para representar a forma gráfica das palavras, digamos que em oposição aos parênteses rectos, utilizados para representar a sua pronúncia; p. ex.: e ['mũdu].