Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Eu, em princípio, aplaudo a existência de um local na Internet onde sejam discutidos os problemas que se põem aos utilizadores da língua portuguesa. Já quanto à eficácia no que se refere aos meios de comunicação, deixe-me que lhe diga, estou muito, muito, reticente. Ciberdúvidas já conta alguns anos de existência, mas nem por isso se sentiram progressos.

Passo a contar.

Há dias, num canal não oficial, aquando do noticiário, o locutor referiu-se aos tigres de Benguela. [...]. No nosso triste e analfabeto país, onde pululam os oportunistas sem escrúpulos, não admira que o tal locutor, ao (talvez) ver no guião «tigre de Bengala», tenha dito para si: «Eh pá se eu disser tigre de Bengala, toda a maralha vai rir: deixa-me emendar. Aonde já se viu um tigre de bengala? Ih, ih, ih.» E assim passam incólumes os chicos-espertos. Permanece analfabeto o povo, que interessa isso?

 

Resposta:

Acerca do comentário introdutório do consulente, pensamos que um dos progressos é o interesse de quantos nos acompanham. As perguntas, reflexões, achegas e rectificações enviadas são em grande número e parecem-nos mostrar que há muitos falantes preocupados com as coisas da língua. Mas, relativamente ao uso da língua, aceitamos que os lugares-chave não estão ocupados por quem sente ou manifesta tal preocupação.

Seja como for, convém esclarecer que Bengala e Benguela são dois nomes geográficos que frequentemente se confundem por causa da sua semelhança fonética (são palavras parónimas). Bengala é «antiga província da Índia, actualmente dividida entre a República Indiana [...] e o Bangla Desh [...] (Dicionário Lello Prático Ilustrado, 2001); é também o nome de um golfo, «formado pelo oceano Índico, entre a Índia e a Birmânia» (idem). Benguela é província do estado de Angola. Assim, como explica humoristicamente o consulente, os tigres não andam «de bengala» nem podem ser de Benguela. É que este animal só se encontra em zonas da Ásia, como sejam a ilha de Samatra, a gélida Sibéria ou a região de Bengala.

Pergunta:

Para o plural de sem-abrigo, deverá dizer-se «os sem-abrigo» ou, como já ouvi na televisão, os «sem-abrigos»?

Grata pela resposta.

Resposta:

A palavra sem-abrigo é substantivo e adjectivo, tendo a mesma forma no singular e no plural: «o sem-abrigo»/«os sem-abrigo». Este vocábulo é um composto sintagmático ou morfossintáctico (ver Dicionário Terminológico) formado por uma expressão de valor adverbial («estar sem abrigo»), o que parece explicar que seja invariável como os advérbios. O mesmo acontece com outros compostos de origem adverbial: sem-terra, sem-tecto, sem-vergonha (ver Dicionário Houaiss e Guia de Uso do Português (2003), de Maria Helena de Moura Neves).1

1 No Dicionário Houaiss sem-vergonhice é variável (sem-vergonhices), pelo facto de se tratar de substantivo derivado de um composto com origem numa expressão adverbial (sem-vergonh(a) + -ice).

 

Cf.  Qual o plural de "sem-abrigo"?<...

Pergunta:

São muitas as respostas do Ciberdúvidas a dúvidas sobre regimes preposicionais, mas gostaria de fazer ainda uma outra pergunta. As pessoas mais jovens (e não só) têm dificuldades com as preposições, creio que também por influência de línguas estrangeiras, nomeadamente do inglês. Em boa verdade, também não é fácil encontrar obras ou sítios que nos ajudem. Os (ou as) guias das Editora Lidel, o livrinho de Cármen Nunes e Leonor Sardinha e o Dicionário Prático de Substanticos e Adjectivos de Ghitescu (um dos poucos que lidam com a regência nominal) são esboços interessantes, mas extraordinariamente incompletos. O dicionário da Academia [das Ciências de Lisboa] apresenta muitos exemplos datados, o Houaiss e o Dicionário da Sociedade da Língua Portuguesa/José Pedro Machado nem isso, os vocabulários de Rebelo Gonçalves e José Pedro Machado só em situações excepcionais.

Pergunto, assim, o seguinte: o Dicionário Gramatical de Verbos do polémico professor Malaca Casteleiro (Texto Editora) é uma boa alternativa? E quanto às obras de referência de Celso Pedro Luft, são úteis para quem escreve em português europeu? E que outras obras podem recomendar? Finalmente, existem estudos sobre a influência do inglês na nossa sintaxe e noutras questões gramaticais?

Muito obrigado.

Resposta:

O Dicionário Gramatical de Verbos é uma boa alternativa, sobretudo, porque é das poucas obras no mercado editorial português que procuram inventariar as regências verbais com alguma exaustividade. Mas é de não esquecer uma obra de 1994, publicada em Coimbra, pela Livraria Almedina: o Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, de Winfried Busse.

No âmbito da lexicografia brasileira, o dicionário de Celso Pedro Luft é útil, uma vez que muitos dos exemplos são em português brasileiro literário, mas tal significa que certos usos inovadores do português europeu podem não estar descritos. Mais recentemente cabe referir o Dicionário Houaiss de Verbos da Língua Portuguesa, compilado por Vera Rodrigues e publicado pela Editora Objetiva do Rio de Janeiro.

Quanto à influência inglesa, recomendo um artigo de Tiago Freitas, Maria Celeste Ramilo e Elisabete Soalheiro, «O processo de integração dos estrangeirismos no português europeu» (in Mateus, M. H. M. e Nascimento, F. B., A Língua Portuguesa em Mudança, Lisboa, Editorial Caminho, 2005, págs. 37-49). Também sugiro um outro: Christian Schmidt, «Sobre la discusión de los anglicismos en portugués — Estándar y uso descritos desde la base del lenguaje de la informática y de Internet», disponível

Pergunta:

Já faz algum tempo que estou à procura de um dicionário ou uma lista em que estão enumerados os substantivos e adjectivos portugueses com as preposições que se utilizam junto com eles. Como estrangeira, acho isto uma das coisas mais difíceis da língua portuguesa. Já tenho o Guia Prático de Verbos com Preposições, da editora LIDEL, à minha disposição, mas agradeceria muito se me pudessem dizer se existe um guia semelhante para combinações de preposições com adjectivos e substantivos.

Resposta:

Com as características que menciona, há, ao que sei, poucas obras. Referirei apenas as seguintes:

Francisco Fernandes, Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjectivos, São Paulo, Editora Globo, 1995.

M. Ghitescu,Dicionário Prático de Substantivos e Adjectivos com os Regimes Preposicionais, Edição Fim de Século, 1992.

Énio Ramalho, Novo Dicionário Lello Estrutural, Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa, Porto, Lello & Irmão Editores, 1985.

Pergunta:

Gostaria de saber se há erro ao se escrever: «graças a um cenário mais favorável nos EUA, Inglaterra e França». Há falta de paralelismo? O correto seria «... nos EUA, na Inglaterra e na França», ou seria dispensável colocar-se a preposição antes de cada país?

Agradeço antecipadamente.

Resposta:

É realmente mais correcto escrever «nos EUA, na Inglaterra e na França», uma vez que o uso «nos» tem sentido apenas em associação com «EUA». Os outros elementos coordenados, «Inglaterra» e «França», têm, portanto, de ser antecedidos, cada um, da contracção da preposição com o artigo: na.