Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A frase «estão ali 2 gêmeas» está correcta, ou devo dizer «estão ali gêmeas»? E se forem três, deve-se dizer «estão ali três gêmeas», ou «estão ali trigêmeas»?

Obrigado.

Resposta:

«Estão ali duas gémeas» é frase correcta, porque gémeos/gémeas não significa «dois/duas irmãos/irmãs», mas «filhos/as do mesmo parto». Outra coisa é dizer a frase «estão ali gémeas», que está também correcta e significa «está ali um número indeterminado de gémeas».

Relativamente a «três gémeas»/«trigémeas», há uma pequena diferença. Posso dizer que «estão ali três gémeas», admitindo que há mais gémeas (por exemplo, a D. X tem cinco gémeas). O mesmo não posso fazer com trigémeas, porque se depreende que o conjunto de  pessoas que nasceram do mesmo parto se limita a três.

Pergunta:

O que são quantificadores numerais e adjectivos numerais?

Resposta:

De acordo com o Dicionário Terminológico (DT), um quantificador numeral é o que «[...] expressa uma quantidade numérica inteira precisa (numeral cardinal) [...], um múltiplo de uma quantidade (numeral multiplicativo) [...], ou uma fracção precisa de uma quantidade (numeral fraccionário)»; exemplos:

(1) «Tinha três filhos.» (numeral cardinal)
(2) «Agora tenho o dobro dos filhos.» (numeral multiplicativo)
(3) «Já tive um terço dos filhos [que tenho].» (numeral fraccionário)

 

Ainda segundo o DT, adjetivos numerais são «adjetivo[s] que pertence[m] à classe tradicional dos numerais ordinais [...], expressando ordem ou sucessão» e que «ocorrem geralmente em posição pré-nominal, antecedidos por adjetivos ou demonstrativos [...] e, eventualmente, por possessivos [...].»; exemplos:

(4) «O terceiro classificado chorava.» (antecedido pelo artigo o)
(5) «Este terceiro carro é mais bonito.» (antecedido do demonstrativo este)
(5) «O seu terceiro marido jogava golfe.» (antecedido do possessivo seu)

Pergunta:

Gostaria de saber o aumentativo da palavra rosa.

Obrigada.

Resposta:

A palavra rosa, como substantivo, é uma designação comum a diversas variedades: rosa-chá, rosa-de-lobo, rosa-de-tocar, etc.

As dimensões são limitadas para cada variedade. Como, além disso, a rosa é uma flor muito apreciada, não carece de aumentativo sintético para se notabilizar. O aumentativo analítico depende do adjectivo escolhido por cada falante para designar uma rosa que lhe é particularmente impressionante: rosa encantadora, rosa maravilhosa, etc.

Pontualmente, poderá formar-se a palavra rosão, de acordo com a tendência descrita por Celso Cunha e Lindley Cinta, na Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, João Sá da Costa Editores, pág. 91): «[...] nos aumentativos em -ão, o género normal é o masculino, mesmo quando a palavra derivante é feminina.»

Pergunta:

Será possível ajudarem-me a determinar a origem do meu apelido?

Obrigado.

Resposta:

Sobre a origem do apelido Parreirão, só conheço o que diz José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa:

«Ant[iga] alc[unha]. Aument[ativo] de parreira? Do s.m. parreirão, no Alentejo, "mesa côncava em plano inclinado e terminada em goteira, para o fabrico de queijo de ovelha"?»

Pergunta:

Gostaria de saber o que significa «mau luto», expressão que surge num texto sobre o Douro, do qual transcrevo a parte em questão:

«(...) e o discurso sobre a paisagem pode transformar-se rapidamente num manifesto sobre a perda e a injúria. Num instante, voltam as imagens poderosas de Biel ou de Alvão, para que, a preto e branco, volte a paz e a quietude das paisagens extraordinárias, ou regresse o mau luto pelo suposto perdido.»

Resposta:

A expressão «mau luto» parece enquadrar-se na linguagem da psicanálise. Nas abordagens psicanalíticas, fala-se em trabalho do luto como «processo psíquico pelo qual um indivíduo, após ter perdido um objeto de seu afeto, consegue gradualmente desapegar-se dele» (Dicionário Houaiss). Considero, portanto, que é disso que se trata: a paisagem é construída por imagens afetivamente investidas, relacionadas com a idealização de um passado real ou imaginário (simbolizado pelo «preto e branco» de certas fotografias antigas), a qual é compensação ou refúgio de um presente percebido como deprimente; o resultado pode ser um «mau luto», isto é, a intensificação de um sentimento de perda, sem horizonte de autonomia futura.