Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É aceitável a grafia «Alex-o-Magnata»?

Obrigado.

Resposta:

Não. Deve escrever-se «Alex, o Magnata», como se escreve «Alexandre, o Grande», «Plínio, o Antigo» ou «Frederico II, o Grande» (cf. Dicionário Prático Ilustrado, Porto, Lello e Irmãos Editores, 1959), sem hífen, mas com vírgula, porque a expressão antecedida de artigo é um cognome, o qual, do ponto de vista sintáctico, equivale a um aposto.1

1 No Dicionário Houaiss, escreve-se «Alexandre o Grande» na definição de helenístico. No entanto, como «o Grande» não deixa de ter função de aposto, parece-me mais adequado o uso de vírgula antes dessa expressão.

Pergunta:

Como se classificam as seguintes palavras quanto à sua formação?

Pluriforme, autógrafo e maremoto.

Resposta:

Trata-de de compostos eruditos, também chamados compostos morfológicos (ver Dicionário Terminológico):

pluriforme: palavra de origem latina formada pelos elementos pluri-, «do lat. plus, plūris, "mais, maior"», e -forme, «já presente em adj. latinos em -formis» (Dicionário Houaiss);

autógrafo: palavra erudita formada pelos elementos de composição de origem grega auto-, «do gr. autós, ê, ó "(eu) mesmo, (tu) mesmo, (ele) mesmo, (si) mesmo", e -grafo, «do gr. graphê, ês, "escrita, escrito, convenção, documento, descrição"» (idem);

maremoto: «mar sob a f[orma] lat[ina] mare + el[emento] -moto (< lat. motus, us "movimento, agitação, abalo"), p[or] ana[logia] a terremoto».

Pergunta:

No âmbito das comemorações do centenário da República, a RTP exibiu um programa que intitulou de Vivá República.

Ora, considerando a existência de uma crase em "Vivá" de "Viva a República", não deveria escrever-se "Vivà República"?

Obrigado.

Resposta:

Teria sido efectivamente preferível escrever «Vivà República», porque, como diz o consulente, a representação gráfica de um a aberto resultante da crase de dois aa em sílabas átonas é à. É o que mostram, por exemplo, as contracçôes prà e prò, respectivamente, «para a» e «para o», as quais, em português europeu, se usam apenas no registo do discurso informal.

CfA implantação da República

 

Pergunta:

Por que razão, antigamente, só existia o verbo haver e não o ter?

Resposta:

Não é verdade, também existia ter, só que com outro significado e sem a função de auxiliar nos tempos compostos, a qual era desempenhada por haver.

Poderá ler no Dicionário Houaiss a seguinte nota etimológica:

«lat. tenĕo, es, ŭi, tentum, ēre "segurar, agarrar, pegar em, possuir, ter, ser dono, obter, adquirir, granjear etc."; doc. 1047 teve, sXII teer, 1211 teenr (mera var. gráf. da f. anterior), sXIII teendo, ainda no sXVI tẽẽr, quando começa a coexistir com teer, f. esta que tb. já ocorre no sXIII; a partir do sXIV documenta-se tb. ter, que se estabiliza no sXVII; o rad. do perfeito foi teve (teui, tenvi), que cedo acusa a metafonia tive: teve (com generalização regular a partir do sXVI: tivera: tivesse: tiver); a 1.ª p. s. do pres. ind. tenho, foneticamente regular, é seguramente base de tenha etc.; o part. pas. teúdo, regular arc. (a. sXVI), manteve-se substv. em parte da cognação (teúdo, conteúdo, manteúdo); ver ten-; além das acp. referidas no desenvolvimento deste verbete, o IVPM registrou e datou as seguintes outras, que no nosso texto não figuram por arcaicas na língua: "aguardar, esperar" (sXIII); "dar-se bem" (sXIII); "haver, existir" (sXIV) [cf. gram letra e), anterior]; "passar (tempo), permanecer" (sXIII) e "permanecer, estar em presença de" (sXIV); f. hist. 1047 teue, 1211 teenr, sXIII teve, sXIII tee, sXIII teer, sXIII tenhades, sXIII terrá, sXIV tees, sXIV tehã, sXIV ten, sXIV tijnha

Pergunta:

Etimologia e decomposição das palavras oftalmologia, cronómetro, antropófago, abster, monótono, velocípede.

Resposta:

Oftalmologia, cronómetro, antropófago e velocípede são compostos eruditos ou morfológicos, analisáveis como a seguir se apresenta (ver Dicionário Houaiss):

oftalmologia: oftalm(o)-, do «gr. ophthalmós, oû, "olho; qualquer objeto em forma de olho: a lua; olho (da videira); bandagem sobre o olho; certa espécie de peixe"» e -logia, do «gr. -logía (p. ex., analogia) composto de -logo + o suf. -ia, formador de subst. (alguns já representados em lat. como helenismos), indicativo de "ciência, arte, tratado, exposição cabal, tratamento sistemático de um tema" ou de conexão com "palavra" ou "proporção"»;

cronómetro: cron(o)-, «do gr. khrónos, ou, "tempo"» e -metro, «do subst. de orig. gr. metro "unidade de medida", do gr. métron [...], "medida" (versificação, mensuração em geral, mensuração do sistema métrico decimal)»;

antropófago: «fr. anthropophage [...], do lat. anthropophăgus, i, este do gr. anthrōpōphágos», que  é constituído por antrop(o)- gr. ánthrōpos, ou, "homem", e –fago, «do gr. -phăgos, segundo o modelo de sitophágos, "que come pão" (de sîtos, ou "trigo, farinha, pão" + -phágos, de phageîn, infinitivo aoristo de esthíein, "comer")»;

velocípede: veloci- «do lat. vēlox, ōcis, "veloz, rápido"» e –pede, «do lat. pes, pĕdis, "pé"».

Os radicais que entram ...