Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Por que razão, antigamente, só existia o verbo haver e não o ter?

Resposta:

Não é verdade, também existia ter, só que com outro significado e sem a função de auxiliar nos tempos compostos, a qual era desempenhada por haver.

Poderá ler no Dicionário Houaiss a seguinte nota etimológica:

«lat. tenĕo, es, ŭi, tentum, ēre "segurar, agarrar, pegar em, possuir, ter, ser dono, obter, adquirir, granjear etc."; doc. 1047 teve, sXII teer, 1211 teenr (mera var. gráf. da f. anterior), sXIII teendo, ainda no sXVI tẽẽr, quando começa a coexistir com teer, f. esta que tb. já ocorre no sXIII; a partir do sXIV documenta-se tb. ter, que se estabiliza no sXVII; o rad. do perfeito foi teve (teui, tenvi), que cedo acusa a metafonia tive: teve (com generalização regular a partir do sXVI: tivera: tivesse: tiver); a 1.ª p. s. do pres. ind. tenho, foneticamente regular, é seguramente base de tenha etc.; o part. pas. teúdo, regular arc. (a. sXVI), manteve-se substv. em parte da cognação (teúdo, conteúdo, manteúdo); ver ten-; além das acp. referidas no desenvolvimento deste verbete, o IVPM registrou e datou as seguintes outras, que no nosso texto não figuram por arcaicas na língua: "aguardar, esperar" (sXIII); "dar-se bem" (sXIII); "haver, existir" (sXIV) [cf. gram letra e), anterior]; "passar (tempo), permanecer" (sXIII) e "permanecer, estar em presença de" (sXIV); f. hist. 1047 teue, 1211 teenr, sXIII teve, sXIII tee, sXIII teer, sXIII tenhades, sXIII terrá, sXIV tees, sXIV tehã, sXIV ten, sXIV tijnha

Pergunta:

Etimologia e decomposição das palavras oftalmologia, cronómetro, antropófago, abster, monótono, velocípede.

Resposta:

Oftalmologia, cronómetro, antropófago e velocípede são compostos eruditos ou morfológicos, analisáveis como a seguir se apresenta (ver Dicionário Houaiss):

oftalmologia: oftalm(o)-, do «gr. ophthalmós, oû, "olho; qualquer objeto em forma de olho: a lua; olho (da videira); bandagem sobre o olho; certa espécie de peixe"» e -logia, do «gr. -logía (p. ex., analogia) composto de -logo + o suf. -ia, formador de subst. (alguns já representados em lat. como helenismos), indicativo de "ciência, arte, tratado, exposição cabal, tratamento sistemático de um tema" ou de conexão com "palavra" ou "proporção"»;

cronómetro: cron(o)-, «do gr. khrónos, ou, "tempo"» e -metro, «do subst. de orig. gr. metro "unidade de medida", do gr. métron [...], "medida" (versificação, mensuração em geral, mensuração do sistema métrico decimal)»;

antropófago: «fr. anthropophage [...], do lat. anthropophăgus, i, este do gr. anthrōpōphágos», que  é constituído por antrop(o)- gr. ánthrōpos, ou, "homem", e –fago, «do gr. -phăgos, segundo o modelo de sitophágos, "que come pão" (de sîtos, ou "trigo, farinha, pão" + -phágos, de phageîn, infinitivo aoristo de esthíein, "comer")»;

velocípede: veloci- «do lat. vēlox, ōcis, "veloz, rápido"» e –pede, «do lat. pes, pĕdis, "pé"».

Os radicais que entram ...

Pergunta:

Sou a pedir-vos se me ajudam a encontrar o significado da palavra Aguncheiras, para além do sítio que fica perto do cabo Espichel, onde existem umas peugadas ou pegadas de dinossáurios, onde também por vezes acontece teatro.

Já coloquei a questão à Câmara de Sesimbra, que está a averiguar vai para dois anos.

Agradecia qualquer resposta por esta via.

Resposta:

Para explicar a etimologia de Aguncheiras parece que deve ter-se em mente o nome Agunchos, que parece ter o mesmo radical. É que propõe A. de Almeida Fernandes, em Toponímia Portuguesa: Exame a Um Dicionário (Arouca, Associação para a Defesa da Cultura Arouquense, 1999):

«É claro que Agunchos se deve ao n. comum "aguncho", derivado de "água" + suf. uncho (< lat. -unculu-): topónimo, pois, devido a pequenas correntes de água ou pequenas nascentes; o que pode hoje estar alterado. Quanto a Aguincho, é o mesmo, isto é, Aguncho, com a alteração do timbre, por -úin-, antes da palatal -ch-, com aparente avanço do acento tónico. Aguincheira é, pois, um simples derivado de Agúincho ou Agúincha (ou mesmo de Aguncho ou Aguncha).»1

Pela minha parte, parafraseando Fernandes, diria então que Aguncheira é simples derivado de "aguncho", «pequena torrente, nascente».

Cabe no entanto observar que, na Galiza, ocorre, nas províncias de Pontevedra e da Corunha, o topónimo Aguiúncho, que Fernando Cabeza Quiles, em Os Nomes de Lugar (Vigo, Edicións Xerais de Galicia, 1992, pág. 497), faz derivar do latim aquila, «águia». Dada a semelhança de Aguiúncho com Aguincho...

Pergunta:

No título de uma marcha, a palavra deve ser escrita com inicial maiúscula ou minúscula? Qual a "versão" correcta? "Já Lá Vai no Ribeirinho", ou "Já lá Vai no Ribeirinho"?

Obrigada.

Resposta:

Gostaria de dar uma resposta sem rodeios, mas acontece que se estamos perante um caso em que a aplicação das regras ortográficas é hesitante, pelo menos, em português europeu. Em princípio, atendendo à Base XLIV do Acordo Ortográfico de 1945, títulos, artigos e palavras que não se flexionam (preposições e advérbios) devem ser escritas com minúscula inicial:

«Escrevem-se com maiúsculas iniciais, nas citações, os títulos e subtítulos de livros, de publicações periódicas e de produções artísticas: O Primo Basílio – Episódio Doméstico, Os Sertões, Serões Gramaticais; A Noite (nome de jornal), Diário Oficial, Revista Lusitana; O Desterrado (estátua de Soares dos Reis), O Guarani (ópera de Carlos Gomes), Transfiguração (quadro de Rafael). No entanto, escrevem-se com minúsculas iniciais (ou minúscula exclusiva, se unilíteros), sem prejuízo de haver sempre maiúscula na primeira palavra, os seguintes componentes de títulos e subtítulos deste género: 1.°) formas do artigo definido ou do pronome demonstrativo afim; 2.°) palavras inflexivas (preposições, advérbios, etc.), simples ou combinadas com as mesmas formas; 3.°) locuções relativas a qualquer categoria de palavras inflexivas e combinadas ou não de modo idêntico. Exemplos dos três casos: Contra o Militarismo, Sóror Mariana, a Freira Portuguesa; A Morgadinha dos Canaviais – Crónica da Aldeia, Mil e Seiscentas Léguas pelo Atlântico, Oração aos Moços, Reflexões sobre a Língua Portuguesa, Voltareis, ó Cristo?; Algumas Palavras a respeito de Púcaros em Portugal, A propósito de Pasteur, Viagem à roda da Parvónia

Sendo um advérbio, é de esperar que, à luz de regras ortográficas prestes a caducarem em Portugal, se escreva a pala...

Pergunta:

De acordo com o Dicionário Terminológico, como classifico as palavras nunca e jamais (classe e subclasse)?

Resposta:

À luz do Dicionário Terminológico (DT), nunca e jamais devem ser classificados como advérbios de predicado com valor temporal, à semelhança de recentemente, que ocorre num exemplo apresentado no verbete respeitante a essa classe de advérbios: «[...] Os rapazes chegaram recentemente. — Valor temporal»

Conforme se pode ler nesse verbete, o advérbio de predicado é um «[a]dvérbio com diferentes valores semânticos [...], que ocorre internamente ao grupo verbal, quer com função de complemento oblíquo, quer como modificador do grupo verbal (e, mais raramente, como predicativo do sujeito), podendo ser afectado pela negação [...] ou por estruturas interrogativas [...].»

Dado que a estes advérbios se podem associar diferentes valores semânticos, é possível identificar um subgrupo caracterizado por possuir valor temporal — é o caso do já mencionado recentemente, ao qual cabe aqui juntar sempre, nunca e jamais.

Assinale-se igualmente que a classificação de nunca e jamais como advérbios com valor temporal encontra paralelo em manuais e gramáticas de português anteriores ao aparecimento do DT, salvaguardadas certas diferenças terminológicas. Por exemplo, Paul Teyssier, no Manual de Língua Portuguesa (Portugal- Brasil) (Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pág. 328) assinala a oposição entr...