Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Que melhor lhe agradar», ou «que mais lhe agradar»?

Obrigada.

Resposta:

Com o verbo agradar, pressupõe-se a noção de intensidade, afim da de quantidade, como acontece com gostar: «agradar muito», «agradar pouco». Quando a construção é superlativa ou comparativa, os advérbios muito e pouco passam a mais e a menos: «o chá agrada mais/menos à Teresa do que o café»; «o chá é a bebida que lhe agrada mais.» Outros verbos são compatíveis com a ideia de qualidade («parece bem/mal sair em pijama» > «sair em pijama parece melhor/pior do que em roupão», «sair em pijama é o que parece melhor») ou até se associam a valores tanto de qualidade como de quantidade («escreve bem/muito» > «ele escreve melhor que ela», «ela escreve mais agora do que no ano passado»). Contudo, não é este o caso de agradar ou gostar: «o chá agrada-lhe "melhor" que o café» e «ela gosta melhor de chá» têm aceitabilidade nula. Mesmo assim, note-se que um verbo sinónimo de agradar, aprazer (que muitos gramáticos consideram defectivo), aceita os superlativos «muito bem» e melhor: «Faça como muito bem/melhor lhe aprouver.»

Pergunta:

Quando pretendo dirigir-me uma mulher cuja profissão é enólogo, posso chamá-la de enóloga, ou deverei manter o género masculino como categorização da profissão?

Obrigada.

Resposta:

Todos os nomes de profissões que incluem o elemento de composição -logo permitem a formação de feminino. Assim, se as formas de feminino de arqueólogo, geólogo e biólogo são, respetivamente, arqueóloga, geóloga e bióloga, então o feminino de enólogo, «pessoa versada em enologia», será logicamente enóloga (também se aceita enologista, para os dois géneros). Enologia significa «ciência que estuda tudo o que está relacionado com a produção e conservação de vinho».

Pergunta:

Dever-se-á dizer: «A manteiga está rança», ou «A manteiga está rançosa»? Os dois adjetivos estão corretos? Tratar-se-á de um regionalismo? E, já agora, qual a definição correta de regionalismo?

Obrigado.

Resposta:

Embora se diga talvez com mais frequência «a manteiga está rançosa», também se pode usar ranço em lugar de rançoso: «A manteiga está rança.» Ranço pode ser usado quer como substantivo («Sabor e cheiro acre que adquirem os alimentos gordurentos») quer como adjetivo, neste caso, como se disse, sendo sinónimo de rançoso, «que tem ranço».

Sobre a possibilidade de se tratar de um regionalismo, isto é, de ser um vocábulo empregado apenas num certo falar regional, os dicionários nada confirmam: apenas remetem a entrada ou a subentrada de ranço adjetivo para rançoso, deixando-nos pensar que é esta a palavra mais usada ou mais característica para veicular a noção em apreço. Mas, note-se, mesmo que fosse um regionalismo, nem por isso deixaria de ser uma palavra legítima, com a particularidade de exigir o contexto comunicacional adequado (a respeito de regionalismo, ver resposta A diferença entre regionalismo e dialeto).

Pergunta:

Devemos dizer «príncipe de Mónaco», ou «príncipe do Mónaco»? E quanto a Luxemburgo e Listenstaine, levam artigo?

Entendo que nestes casos haja divergências entre o português de Portugal e o português do Brasil, tal como em Ruanda («genocídio no Ruanda» — português de Portugal; «genocídio em Ruanda» — português do Brasil). Serão «o Mianmar», «o Belize», «o Vanuatu», «o Palau», «a Samoa» (bem como a maioria das outras nações oceânicas) topónimos que necessitam de artigo num lado do Atlântico e no outro não?

Agradeço de antemão o prestável esclarecimento do Ciberdúvidas.

Resposta:

No português do Brasil todos os nomes em questão se usam efetivamente sem artigo, pelo que se infere das definições dos gentílicos correspondentes que estão disponíveis em dicionários elaborados nesse país; p. ex., monegasco, «pessoa nascida ou que vive em Mônaco» (iDicionário Aulete; ver também Dicionário Houaiss).1

No português de Portugal, levam artigo definido «o Mónaco», «o Listenstaine»2, «o Luxemburgo». Em relação aos outros nomes, tendo em conta os nomes oficiais constantes do Código de Redação Interinstitucional, aplicado na redação de documentos em português no contexto da União Europeia UE), usa-se (sublinhado meu):

«o Ruanda» («República do Ruanda»);

«Mianmar» («República da União de Mianmar»);3

«Vanuatu» («República de Vanuatu»);

«Palau» («República de Palau»);

«Samoa» («Estado Independente de Samoa», embora se diga «Território da Samoa Americana»).4


1 Também agradeço a Luciano Eduardo de Oliveira os esclarecimentos dados sobre o uso destes nomes no português do Brasil.

2 Listenstaine é forma que consta...

Pergunta:

Encontro várias referências ao abade fonselense D. Ordonho Alvarez, mas em parte alguma — designadamente nos dicionários — encontro a explicação do que possa significar fonselense.

Querem fazer o favor de me explicar o significado da palavra?

Agradecido.

Resposta:

Não encontro fonte que esclareça o sentido de fonselense. Pela presença do sufixo -ense poderia pensar-se num gentílico (como no caso de viseense, de Viseu), pressupondo uma forma hipotética *Fonsela, que não encontro atestada em parte nenhuma. Refira-se que fonselense parece ocorrer apenas na História de Portugal (vol. V, pág. 252), de Alexandre Herculano, no seguinte contexto (mantenho a ortografia original):

«O que é certo é que Ordonho, abbade fonsellense e português de nascimento, substituiu definitivamente Martinho Geraldes [...].»