Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sempre soube que a cidade sulina Xuí tem sua grafia com X desde 1943.

Consultando a Internet, não encontro respaldo para tal, só vejo com CH.

A Academia Brasileira de Letras manda escrever Chuí.

Teria condições de dirimir minha dúvida?

Resposta:

É certo que aparece Xuí em certas fontes, mas o uso impôs Chuí.

A obra Enciclopédia Culural Larousse Brasil A/Z regista as formas Xuí e Chuí, esta com a indicação de ser a forma usual. Silveira Bueno, no Vocabulário Tupi-Guarani-Português (São Paulo, Éfeta Editora, 1998), escreve sempre com ch-: Chuí («var. Juí, pintassilgo»; p. 105) e Chuy («Rio do Est. do Rio Grande do Sul. Rio dos chuís, dos pintassilgos. Foi sempre considerado o território extremo do sul do Brasil»). A Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura regista só a forma Chuí.

Relativamente a fontes de Portugal, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1940, tem Chuí, mas no Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1966, de Rebelo Gonçalves, figura Xuí, presume-se que em referência à cidade brasileira.1 José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, acolhe as duas formas sem as relacionar e interrogando-se sobre uma eventual origem tupi. 

Em suma, prevalece a forma Chuí, até porque, tendo em conta o espanhol Chuy, nome da cidade uruguaia, se pode aceitar a tradicional correspondência entre o "ch" do espanhol e o "ch" do português. É possível que Xuí tenha fundamento em certas características fónicas do nome original, duma língua da família tupi-guarani, mas não foi possível reunir dados mais esclarecedores nem nas obras consultadas nem noutras fontes.

1 Já no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, publicado em 1947, Rebelo Gonçalves regista a fo...

Pergunta:

Uma grande dúvida no meio acadêmico veterinário é qual é o termo correto para a obtenção de amostras de sêmen ou fluidos como o sangue. Colheita, ou coleta? Estou confuso porque, para mim, colheita é para sementes, feno, etc. (mais ligado a isto, colheita de grãos como o trigo). Qual é o termo mais correto para amostras biológicas?

Resposta:

No contexto em apreço, ambas as palavras estão corretas; a diferença reside na variedade de português em que ocorram. Assim, no português europeu, usa-se «colheita de sangue/sémen» (também se usa «recolha de sangue/esperma»), reservando-se coleta para uma recolha de fundos (exemplos atribuídos ao português europeu no Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira):

«[...] a equipa deve ser constituída por três médicos, nenhum dos quais poderá pertencer nem às equipas de colheita nem de transplante [...]»;

«É, muitas vezes, nesse preciso momento que as pessoas sentem na pele a importância da colheita de sangue. [...]»

«A experiência consiste em fazer uma colheita no sangue de linfócitos T [...]».

No entanto, no Brasil, favorece-se «coleta de sangue», conforme se depreende da respetiva definição no Dicionário Houaiss, s. v. coleta: «ato de colher ou recolher (produtos, elementos, amostras etc.) para estudo, análise, exame etc. Ex.: c. de dados, de informações, de sangue.» No mesmo dicionário, a definição de colheita não associa esta palavra à recolha de líquidos orgânicos.

Refira-se, a título de curiosidade, que colheita e coleta têm o mesmo étimo latino: collecta, ae

Pergunta:

Qual é o significado/interpretação mais precisa do dito: «nem um órgão da Sé»?

Agradeço a ajuda.

Resposta:

Não encontro dicionarizada a expressão «nem um órgão da Sé». No entanto, ela ocorre em Arca de Noé – III Classe, uma obra do escritor português Aquilino Ribeiro (1885-1963):

«Daí a instantes rebentava um medonho ressonar. Devia ser o cão que passara a noite a correr pela quinta com medo que os larápios lhe fossem à horta ou ao meloal! Nem um órgão da Sé. [...]»

Neste contexto, «nem um órgão da Sé» é interpretável como «nem um órgão da Sé fazia tanto barulho (como o cão que ressonava)» ou como «alguém ressonava tanto que nem um órgão da Sé consegue fazer mais barulho». A expressão é, portanto, usada como hipérbole e constitui um termo de comparação, referente aos sons de grande intensidade produzido por qualquer órgão de uma sé, isto é, de uma «igreja episcopal ou patriarcal; catedral» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora).

Pergunta:

De acordo com o Dicionário Terminológico, existe agora a «classe dos quantificadores», que partilha com os determinantes a característica de anteceder um nome.

Sendo que, na frase «Os quatro amigos...», «quatro» é um quantificador numeral, na frase «Quatro alunos foram estudar e quatro foram brincar», continuamos, no segundo «quatro», a ter um quantificador numeral com um nome subentendido? Não há pronomes numerais, certo?

Muito obrigada!

Resposta:

No caso da segunda ocorrência de quatro em «Quatro alunos foram estudar e quatro foram brincar», considera-se que se trata efetivamente de um quantificador numeral com elipse ou omissão do nome (cf. Olga Azeredo et al., Gramática Prática do Português, Lisboa Editora, 2011, p. 195).

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do apelido Elias em Portugal.

Grato pela atenção.

Resposta:

Tem origem no nome próprio Elias, tal como muitos outros apelidos/sobrenomes. Este nome tem origem no hebraico Eliah, que significa «o senhor (é) Deus» ou «Deus é Jehovah»1, e foi transmitido ao português pelo grego (H)Elías e pelo latim (H)Elīas (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). A sua popularidade é devida ao profeta bíblico assim chamado. Em Portugal, nos tempos da Reconquista medieval, o uso do nome Elias está documentado como patronímico, quando antecedido do elemento árabe ben ou iben, «filho» (Machado, op. cit.).

1 O autor poderia ter usado a forma Jeová, mais de acordo com os princípios da ortografia do português. Note-se que outras fontes interpretam o nome como «o meu deus é Jehovah (ou Jeová)».