Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase da Dedicatória de Os Lusíadas «E vós, Tágides minhas, [...] dai-me agora um som alto e sublimado...», qual é a função que «vós» e «Tágides minhas» desempenham na frase? Desempenham a mesma função de vocativo, ou «Tágides minhas» é modificador apositivo do nome? Ou «vós» será sujeito?!?

Agradeço o esclarecimento prestado.

Resposta:

Quer a ocorrência do pronome «vós» quer a expressão «Tágides minhas» são vocativos que aparecem justapostos.

Este caso encontra paralelo num exemplo apresentado por Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 159):

1 – «Tu, Deus, o Inspirador, Taumaturgo e Adivinho,/ Dá-me alívio ao pesar [..].» (Alphonsus de Guimaraens)

O que vemos em 1 é, por um lado, «tu» como realização do sujeito da ocorrência de imperativo «dá», e, por outro, «Deus», à semelhança de «Tágides minhas» no exemplo em discussão, a ocorrer como chamamento ou apelo. A coocorrência de «tu» com a forma de imperativo correspondente é vista como uma instância de vocativo, conforme propõe o gramático brasileiro Evanilo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2002, p. 461; mantém-se ortografia do original): «[em] "Tu! -parte! volve para os lares teus!" [...] tu não é o sujeito de parte, e sim vocativo, "espécie de aposição à idéia do sujeito, contida no imperativo" [...].»

Contudo, supondo a possibilidade de interpretar «Tágides minhas» como modificador apositivo, deve assinalar-se que a supressão do pronome pessoal, não envolvendo a de «Tágides minhas», sugere que esta expressão ocorre exatamente com a mesma função de «tu», ou seja, como vocativo:

2 – «Tágides minhas, dai-me um som alto e sublimado.»

Em 2, «Tágides minhas» continua a ser um vocativo, mesmo que apaguemos «vós» em «E vós, Tágides minhas...». Se esta expressão fosse um modificador apositivo do vocativo, faria parte do vocativo e, assim, também seria omitida, como aconteceria em 1, no caso de supressão do vocativo «Deus»:

1 – «Tu [...] dá-me alívio ao pesar [...]»

Pergunta:

Quando o dicionário me diz que madama é o mesmo que madame, estou diante de uma variante, ou de um sinônimo? Houaiss, por exemplo, distingue as duas palavras: (i) madama – patrulha policial; polícia; e (ii) mulher adulta, casada ou solteira; dama, senhora. Outra hora, diz que madama é variante...

Resposta:

Madama é uma variante popular de madame (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e dicionário da Porto Editora), por substituição do morfema final (vogal ou índice temático) -e, por -a, que, em português, é mais característico do género feminino. Numa perspetiva muito geral, é claro que também se pode dizer que madama é sinónimo de madame. Note-se que, pelo menos na sua edição de 2001 (a 1.ª), o que o Dicionário Houaiss apresenta é a entrada madama a que atribui uso informal e que define com uma remissão, como o mesmo que madame, e, além disso, numa aceção que lhe é própria («patrulha policial»).

Pergunta:

 Ao que me dizem, parece que algumas gramáticas modernas afirmam que gerúndio é o mesmo que particípio presente.

Será que falando é o mesmo que falante?

Obrigado.

Resposta:

O gerúndio e o particípio presente não compartilham as mesmas formas em português. A rigor, na nossa língua já não há particípio presente, ou, melhor, esta forma não faz parte do paradigma verbal. O que temos, sim, é o sufixo -nte, que permite derivar adjetivos e substantivos (amante, antecedente, ouvinte, seguinte) de temas verbais (amaranteceder, ouvir, seguir) e tem origem na desinência do particípio presente latino (-ns, -ntis). Diz Edwin Williams, em Do Latim ao Português (Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2001, p. 191):

«Até o século XVI o particípio presente tinha força verbal mas no português moderno sobreviveu como adjetivo, ocasionalmente como substantivo, em poucos casos como preposição, e. g. salvante, tirante

Observe-se, além disso, que o gerúndio não tem, em português, uso adjetival, como se infere da seguinte observação do Dicionário Houaiss (s. v. gerúndio):

«forma nominal do verbo (q. v.), terminada em -ndo, usada para exprimir uma circunstância ou formar, quando conjugada com os auxiliares andar e estar, verbos freqüentativos, ou para expressar a ação incoativa de um verbo, quando estiver junto dos auxiliares ir e vir

No entanto, observa-se que a terminação de gerúndio -ndo é homónima de uma outra com origem no gerundivo latino1 e que pode ocorre...

Pergunta:

Que significa moche? Pelo contexto, deduzo que é um tipo de dança, género hip-hop ou assim.

Resposta:

Moche é palavra registada no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora com o significado de «ato de se atirar para cima de uma ou mais pessoas, geralmente em concertos ou festivais». O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa também acolhe o substantivo, com o mesmo significado. Ambas as fontes o relacionam com o inglês mosh1, e o Oxford English Dictionary regista efetivamente este vocábulo com um significado muito semelhante: «Dance to rock music in a violent manner involving jumping up and down and deliberately colliding with other dancers» (tradução livre: «dançar ao som de música "rock", de uma maneira violenta, aos saltos e chocando de propósito com outros participantes na dança»).

1 Numa página da Internet, diz-se que moche «vem da palavra inglesa mosh e significa aquela espécie de "dança ao pontapé" que qualquer bom amante do rock ou do metal pratica em frente ao palco de um bom concerto de uma banda rock, punk ou metal...».

Pergunta:

Devemos utilizar maiúscula ou minúscula para designar nomes de queijos estrangeiros, como gruyère, emmenthal, etc.?

Resposta:

Escreve-se com minúscula inicial, mesmo que tenha origem em nomes próprios; ex.: «queijo gruyère/emmenthal». Como se trata de nomes estrangeiros, usa-se o itálico. Note-se, porém, que gruyère já tem aportuguesamento: gruiere (Dicionário Houaiss).