Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se diz? «Creme "reafirmante"» ou «creme "refirmante"»?

Os dois termos são utilizados por diferentes marcas de cremes.

Resposta:

Tendo em conta que afirmar é declarar, parece-me mais adequada a forma refirmante, que pressupõe a formação de refirmar, como derivado de firmar, que pode ser usado nas aceções de «dar firmeza», «fixar-se», «apoiar-se». Se por «cremes refirmantes» se entendem os cremes que «[...] além de hidratarem a epiderme, ajudam a prevenir a perda de elasticidade dos tecidos» ("Silhuetas afinadas", Máxima, 27/03/2012), então refirmante salienta-se como opção adequada porque é interpretável como «(aquilo) que volta a dar firmeza»,  no sentido de «vitalidade, elasticidade».

Pergunta:

Qual o significado do nome fiada no conto "O Sésamo" (Novos Contos da Montanha) de Miguel Torga?

Exemplos: «A fiada estava apinhada naquela noite» e «A fiada acabou tarde...»

Resposta:

A palavra usada por Miguel Torga é típica de Trás-os-Montes e, segundo A. M. Pires Cabral (Língua Charra – Regionalismos de Trás-os-Montes e Alto Douro, Âncora Editora, 2013), significa o seguinte:

«Operação de fiar o linho ou a lã. Grupo de pessoas que fiam; o m[esmo] q[ue] fiadeiro [...] "A fiada estava apinhada naquela noite" M. Torga, Novos Contos da Montanha.»

Como se vê, a abonação que a fonte consultada dá de fiada corresponde a uma das frases em questão.

Refira-se ainda que, de acordo com a mesma fonte, um fiadeiro é «o serão em que a principal ocupação é a fiação do linho» ou «local onde decorre este serão».

Pergunta:

Existindo as palavras confrade e confraria, por que razão não é reconhecida a palavra "confrádico", para designar o movimento das confrarias? É uma palavra muito em uso naquele mundo associativo, como: «saudações confrádicas» ou «movimento confrádico».

Obrigado pela atenção.

Resposta:

A forma confrádico não se encontra dicionarizada, mas não encontro razão para a rejeitar, porque é um adjetivo constituído de acordo com os padrões morfológicos do português. O dicionário da Porto Editora, na Infopédia, e o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa – elaborados em Portugal – não o acolhem, mas também não acho aí registado um adjetivo relacionado com confraria ou confrade. O Dicionário Houaiss (1.ª edição brasileira) também não o inclui, mas apresenta confraternal na aceção de «relativo a confrade» (os dicionários portugueses consultados não registam confraternal nesta aceção). Dado que confraternal pode associar-se a fraternal, considero, portanto, natural que se tenha criado espontaneamente a forma confrádico, que me parece aceitável.

Pergunta:

Relativamente à análise sintática da frase «Ana viu a sombra do anão», qual a função sintática do segmento «do anão»?

Resposta:

Apesar de sombra pressupor um corpo ou um volume que a projetem, não encontro referência a este substantivo no Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, de Francisco Fernandes, o que me leva a pensar que este caso não é de classificação inequívoca. Sugiro, mesmo assim, que sombra faz parte do chamado grupo dos nomes icónicos, formado por substantivos como quadro, descrição, desenho, retrato (cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1064). Por isso, proponho que «do anão» seja um complemento do nome – mas trata-se de uma proposta aberta, suscetível de correção, caso algum consulente pretenda rebater com fundamento o que aqui exponho.

Pergunta:

Poderíeis informar o modo correto de escrever o adjetivo relativo ao substantivo «sumo sacerdote»: "sumossacerdotal", "sumo-sacerdotal" ou "sumo sacerdotal"? Eu creio que a primeira forma seria a correta: "sumossacerdotal". Neste caso, o plural seria "sumossacerdotais". Se não, como então seria?

Antecipadamente agradeço a vossa atenção.

Resposta:

A expressão «sumo sacerdote» não está registada como substantivo composto – se o estivesse, teria efetivamente a forma "sumo-sacerdote". Mas, atendendo a que existem adjetivos que são derivados de expressões nominais e que apresentam um hífen que não tem a expressão donde derivam (Cabo Verde > cabo-verdiano), parece-me legítimo escrever sumo-sacerdotal, cujo plural é sumo-sacerdotais.