Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há dias consultei o dicionário online da Priberam. A palavra do dia era horizontalismo [s. m.] e eram apresentados três significados, sendo que o terceiro, de carácter informal era «atividade de prostituta. = Meretrício».

Uma vez que nunca ouvi/li a palavra com este significado, indaguei junto de outras pessoas, portuguesas e brasileiras, se conheciam o termo com este significado, mas todos me disseram que não conheciam.

A questão que coloco é: qual a origem do termo com este significado informal indicado no referido dicionário.

Obrigada.

Resposta:

A palavra horizontalismo está registada na aceção em causa no Novo Dicionário de Calão (Lisboa, Casa das Letras, 2005), de Afonso Praça, no qual se observa o seguinte: «Horizontalismo – Diz-se das prostitutas finas. ["(...) tratar por tu o alto horizontalismo do Largo de São Carlos (...), Fialho de Almeida, Vida Irónica].»

O termo é, portanto, sarcástico e eufemístico (dado a prostituição e atividade sexual serem tabus), mas atualmente parece não ter uso.

Pergunta:

Porque é que muitas vezes vejo escrito e ouço na televisão as palavras espectador e expectativa como se não tivessem c ou o c não se pronunciasse ?

Qual é a forma correta?

Resposta:

Desde há muito que há variação na pronúncia das palavras em apreço.

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1940, associava, como marcas ortoépicas (isto é, relativas à boa pronúncia), as indicações «(èt...)» a espectáculo e expectativa, e «(èt... ô)» a espectaculoso e espectador; ou seja, as palavras grafavam-se com um c que era mudo, pois não se verificava a articulação da consoante correspondente (símbolo fonético [k]). Décadas mais tarde, Rebelo Gonçalves no seu Vocabuário da Língua Portuguesa (1966) regista as mesmas palavras com a indicação de que têm um [k] nas «condições das Bases Analíticas VI do Acordo Ortográfico de 1945, isto é, em casos «em que não é invariável o seu valor fonético e ocorrem em seu favor outras razões, como a tradição ortográfica, a similaridade do português com as demais línguas românicas e a possibilidade de, num dos dois países, exercerem influência no timbre das referidas vogais: [...] espectáculo [...]».

Com a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, aceitam-se as duas pronúncias – com e sem [k] –, pelo que, atendendo ao reforço do critério fonético na nova ortografia,* as palavras podem escrever-se com ou sem c [mas sempre com e aberto na sílaba átona -pe(c)-]: espectador/espetador; expectativa/expetativa (ver

Pergunta:

A minha pergunta é muito simples: o nome fantasma é um nome sobrecomum ou comum de dois?

Obrigada.

Resposta:

O substantivo fantasma é do género masculino, mas não costuma classificar-se como substantivo sobrecomum. Contudo, é possível encará-lo como tal, dado que «o fantasma» tanto pode referir-se a um indivíduo do sexo masculino como a outro do sexo feminino: «Apareceu-me o fantasma de D. Sebastião e, depois, o fantasma de D. Maria I.». De referir que «o emprego desta palavra como substantivo feminino é antigo» e que «modernamente se emprega no masculino» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Li algures que Coimbra tem um barco turístico chamado "Basófias". O nome vem obviamente da designação carinhosa que se dava (e talvez ainda dê) ao Mondego, que bazofiava na época das chuvas, com tão grande caudal, para ficar reduzido no Verão a fiozinhos de água, serpenteando por entre a muita areia. A minha dúvida tem a ver com a grafia. Neste sentido específico, deve escrever-se "Basófias" (com s)?

Desde já agradeço a vossa resposta.

Resposta:

Se a alcunha provém do substantivo comum – como se supõe que deriva –, deve escrever-se Bazófias. No Dicionário Onomástico Etimológico, de José Pedro Machado,  regista-se "Basófias", com s, certamente por engano, porque o artigo respetivo não desmente a etimologia mais conhecida: «nome popular, em Coimbra, do rio Mondego, por causa da pouca água que ali apresentava» . Refira-se que, segundo o Dicionário Houaiss, bazófia tem origem no italiao bazzofia, «conjunto de elemento díspares».

* A pouca água que o rio levava às vezes (sobretudo, no verão)* fazia com que chamar-lhe rio soasse a bazófia, isto é, gabarolice. A regularização do Mondego nos anos 80 do século passado deixou de justificar o apodo em referência.

Pergunta:

Na frase «Tudo correu muito bem», «muito bem» que função sintática desempenha na frase? Complemento oblíquo? Predicativo do sujeito?

Obrigada pela atenção e parabéns pelo vosso trabalho!

 

Resposta:

O verbo correr, no sentido de «passar», «decorrer», tem um comportamento igual ao de portar-se, que seleciona obrigatoriamente um advérbio (como em 1) ou grupo preposicional (uma expressão introduzida por preposição como em 2):

1 – «Ele portou-se bem/de maneira impecável.«

2 – «O exame correu bem/sem problemas.«

O verbo correr junta-se, portanto, a um pequeno grupo de verbos que têm a particularidade de serem usados obrigatoriamente com um advérbio ou grupo prepocional. A Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1187) refere-se a esta subclasse verbal como um grupo muito peculiar:

«[...] [A]ssinale-se a existência de um pequeno grupo de verbos, incluindo cheirar, (com)portar-se, funcionar, sentir-se e vestir(-se), os quais selecionam um constituinte com valor semântico de modo, que pode ser estruturalmente um advérbio, um sintagma preposicional ou uma oração relativa de modo introduzida pelo advérbio relativo como:

(80) a. Alguns advérbios funcionam como complementos selecionados.
         b. Os meus alunos portam-se de uma forma horrível.
         c. A flor cheira bem.
         d. A Maria sentiu-se/veste(-se) assim-assim.

Embora este constituintes tenham uma estrutura e uma interpretação semântica de adjunto adverbial, são, no entanto, obrigatórios com estes verbos (cf. *alguns advérbios funcionam, *os meus alunos portam-se, *a flor cheira, *a Maria sente-se...