Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber a etimologia da palavra velhaco. Qual seu radical?

Resposta:

A palavra velhaco vem do «espanhol bellaco (sXIV), "homem de má vida", este de origem obscura; ver velhac-; forma histórica c1560 valhaco». Velhac- (elemento de composição) é «antepositivo, do espanhol bellaco, "homem de má vida", do sXIV; Corominas o crê cognato do catalão antigo bacallar "velhaco, homem de má vida", que crê por sua vez do celta *bakallakos "pastor, camponês", acrescentando que o vocábulo catalão, assim como o francês bachelier "bacharel", antes "jovem que ainda não é cavalheiro", parecem supor uma variante *bakkaros; a origem da palavra castelhana — e, assim, da portuguesa — é, enfim, para Corominas, obscura; a cognação portuguesa inclui: velhaca, velhacaço, velhacada, velhacagem, velhacão, velhacar, velhacaria, velhacaz, velhaco, velhacório, velhaqueado, velhaqueadoiro/velhaqueadouro, velhaqueador, velhaquear, velhaquesco, velhaquete, velhaquez».

O adjectivo velhaco significa «que propositadamente engana, ludibria; enganador» ou «que age mal, trapaceia; traiçoeiro, ordinário, patife»; quer dizer ainda «que manifesta ingenuidade mas age com malícia ou esperteza; finório». Como regionalismo do Nordeste do Brasil, «diz-se de animal que não se deixa prender ou levar com facilidade». Na qualidade de substantivo (nome), trata-se de «indivíduo que se utiliza de má-fé e que engana e prejudica outrem».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]

Pergunta:

Há qualquer relação etimológica entre as palavras indígena e indigente?

Desde já, obrigado.

Resposta:

A palavra indígena vem do «lat[im] indigĕna,ae "natural do lugar em que vive, gerado dentro da terra que lhe é própria", der[ivação] do lat[im] indu arc[aico] (como endo) > lat[im] cl[ássico] in- "movimento para dentro, de dentro" + -gena der[ivação] do rad[ical] do v[erbo] lat[ino] gigno, is, genŭi, genĭtum, gignĕre "gerar"; (...) ; f[orma] hist[órica] 1552 indigenas, 1813 indígena». Significa «relativo a ou população autóctone de um país ou que neste se estabeleceu anteriormente a um processo colonizador» ou «relativo a ou indivíduo que habitava as Américas em período anterior à sua colonização por europeus»; por extensão de sentido (uso informal), é «que ou o que é originário do país, região ou localidade em que se encontra; nativo».

Quanto a indigente, deriva do «lat[im] indĭgens,entis "que tem falta de, necessitado", part[icípio] pres[ente] do v[erbo] lat[ino] indĭgeo,es,ui,ĕre "ter falta de, estar desprovido, necessitar, carecer", este formado de indu arc[aico] (como endo) > lat[im] cl[ássico] in "movimento para dentro, de dentro" + o v[erbo] egēre "ter falta de, estar privado de, estar ou ser pobre, viver na pobreza"». Significa «que ou aquele que vive em indigência, sem condições de suprir suas próprias necessidades; miserável, necessitado, pobre».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]

Pergunta:

Gostaria de saber informações sobre a expressão «por conta de», que tem sido massivamente usada pela mídia, e por conseguinte pelas pessoas comuns.

Sou formada em Letras — Português-Inglês — e não me recordo de ler e usar esta expressão, mas simplesmente «por causa de».

Fico muito irritada com essa expressão, pois às vezes numa reportagem ela é repetida três, quatro vezes.

Seria um sinal de senilidade... ou seria uma expressão bem pobre mesmo?

Aguardo sua opinião.

Obrigada.

Resposta:

Não vejo qualquer razão para ficar irritada com a expressão «por conta de». O Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, edição da Papiro Editora, regista-a com o significado de «a cargo de»; por exemplo, «esta obra fica por conta do José», quer dizer que «a obra fica a cargo do José». Nada de errado, portanto...

O mesmo dicionário ainda regista, entre outras, as expressões «dar conta de» («notar; responder por; acabar»), «dar conta do recado» («desempenhar-se cabalmente das suas tarefas»), «dar por conta» («fazer um pagamento parcial»), «dar-se conta de» («notar; aperceber-se de»), «fazer conta de» («supor; esperar; tencionar»), «não ser da sua conta» («não lhe dizer respeito; não ter nada com isso; não se querer meter no assunto; não ser da sua competência»), «por conta, peso e medida» («à justa; com todas as condições necessárias»), «por conta» («para diminuir o débito») e «por sua conta e risco» («por sua iniciativa e responsabilidade»).

O Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, regista a expressão «à conta de», como o significado de «por causa de», e no Houaiss a expressão «por conta de» é sinónima de «por causa de», a exemplo de «p[or] conta da nova lei, os impostos serão aumentados».

Pergunta:

Estou a fazer um trabalho sobre justiça em Portugal, no século XVIII, e surgiu a dúvida sobre a forma correcta a utilizar: "apostilha" (como dizem as fontes) ou "apostila"?

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, regista apostilha, mas remete-nos para apostila (do fr[ancês] apostille, "anotação"), a forma preferível. Também o Dicionário Eletrônico Houaiss (brasileiro) dá preferência à forma apostila. Trata-se, segundo o primeiro dicionário, de «anotação à margem de um escrito» ou «nota que se acrescenta a um papel público sob a forma de anotação à margem»; como termo do Brasil, é «sebenta». O Houaiss diz que é, em bibliologia, «nota breve que se acrescenta ger. à margem de uma obra, para esclarecê-la ou complementá-la» ou «livro em que se reuniram anotações feitas em outras obras». Acrescenta ainda que se trata de «acréscimo feito em diploma ou título oficial para efeito legal»; «recomendação ou observação à margem de requerimento, memorial etc.»; e «acréscimo ao fim de uma carta; pós-escrito». Por fim, também é um regionalismo do Brasil, tratando-se de «coletânea de aulas ou preleções, para distribuição, em cópias, entre os alunos; polígrafo», mas diz, em seguida, que, nesta acepção, «emprega-se a palavra sebenta, em Portugal; o uso de apostila nessa acp. foi condenado pelos puristas, que aceitavam apenas postila».

Pergunta:

Apesar de ouvir e até ver, várias vezes, escrita a palavra "descomplexado", os diferentes dicionários não registam este vocábulo.

Gostaria de saber se pode ser usada como sinónimo de uma «pessoa despreocupada, sem complexos».

Agradeço desde já pela atenção dispensada.

Resposta:

O termo descomplexado é o antónimo de complexado, e como já aqui tem sido dito os dicionários não registam todas as palavras. Assim, se complexado quer dizer «inferiorizado; inibido», a palavra descomplexado «pode ser usada como sinónima de uma pessoa despreocupada, sem complexos».

É um vocábulo bem formado e, portanto, legítimo, tal como descomplicar, acolhido pelos dicionários em geral.