Qual a natureza da locução «por exemplo»? A professora Carla Marques aborda a questão no seu apontamento divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2 (edição de 17 de março de 2024).
Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.
Qual a natureza da locução «por exemplo»? A professora Carla Marques aborda a questão no seu apontamento divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2 (edição de 17 de março de 2024).
No excerto:
«O último elemento do grupo, o narrador, não era tão sonhador como os outros e, por isso, não via forma nenhuma naquela nuvem. Para não ficar mal perante os outros, ele afirma que vê um hipopótamo. Perante tal afirmação, toda a gente ficou espantada.»
As classes e subclasses das palavras via e para são, respetivamente, verbo principal transitivo direto e indireto (seleciona complemento direto e complemento indireto) e conjunção subordinativa final?
Obrigada.
Com efeito, no caso em apreço, o verbo ver é um verbo transitivo direto e indireto e a palavra para pode ser, no quadro do Dicionário Terminológico, classificada como conjunção subordinativa final.
Na frase transcrita abaixo, o verbo ver pede um complemento direto e um complemento oblíquo, tendo um funcionamento de verbo transitivo direto e indireto:
(1) «Ele não via forma nenhuma naquela nuvem.»
Para confirmar a natureza de um verbo e para distinguir os constituintes que desempenham função de complemento dos que desempenham a função de modificador, podemos usar dois testes (leia-se esta resposta): o teste da pergunta-resposta e o teste de clivagem. Apliquemo-los (para facilitar a análise colocamos a frase na forma afirmativa):
(2) «Ele via uma forma naquela nuvem.»
(i) Teste da pergunta-resposta:
(2a) P: «O que é que ele fazia?»
R: «via uma forma naquela nuvem.»
(2b) P: «*O que ele que ele fazia naquela nuvem?»
R: «*via uma forma»
(ii) Teste de clivagem:
(2c) «É ver uma forma na nuvem que ele faz?»
«*É ver uma forma que ele faz naquela nuvem?»
Ambos os testes pretendem verificar se é possível afastar constituinte do verbo ou se este afastamento determina uma construção agramatical. Os constituintes que se podem afastar do verbo não são seus argumentos, ou seja, não são complementos do...
Não encontro informação nas gramáticas sobre a perífrase ia+gerúndio em contextos como «um míssil ia apanhando Zelensky», quer dizer, com o valor de que esteve quase a apanhar o tal.
Podem dar uma ajudinha?
Algumas gramáticas tratam esta construção na secção dedicada aos verbos auxiliares do português. É o caso da Gramática do Português, coordenada por Eduardo Raposo (p. 1276).
Aí pode ler-se que o auxiliar ir pode construir-se com verbo principal no gerúndio de forma a exprimir os seguintes valores:
(i) descrever uma situação durativa, que se vai desenrolando gradualmente:
(1) «Ele ia escrevendo o livro à medida que a investigação avançava.»
(ii) indicar uma situação que estava quase a acontecer, mas que acabou por não ter lugar, como é o caso do segmento de frase apresentado pelo consulente:
(2) «Um míssil ia apanhando Zelensky(, mas este escapou.)»
Disponha sempre!
A frase «Precisamos de descobrir a gramática da bondade.», retirada de O pequeno caminho das grandes perguntas. (Porto: Quetzal, p. 77), de José Tolentino Mendonça, concretiza um ato de fala compromissivo ou diretivo?
Obrigada pela vossa atenção.
Sem outro contexto, o enunciado apresentando configura um ato ilocutório diretivo.
Um ato ilocutório compromissivo compromete o locutor com a realização futura de um estado de coisas, surgindo este como a entidade controladora dessa mudança. Desta forma, atos como a promessa, a ameaça ou a jura constituem atos ilocutórios desta natureza.
Por seu turno, o ato ilocutório diretivo tem como objetivo ilocutório procurar levar o interlocutor a realizar uma ação futura. São exemplo deste ato a ordem ou o pedido.
No enunciado apresentado em (1), o locutor não está, à partida, a comprometer-se com a mudança descrita no seu enunciado:
(1) «Precisamos de descobrir a gramática da bondade.»
Julgamos que, neste caso, o locutor pretende agir sobre os interlocutores (os leitores) e sobre ele mesmo, por meio de um ato ilocutório diretivo, através do qual procura levá-los a realizar a ação futura de descobrir a «gramática da bondade», alterando um dado estado de coisas.
Disponha sempre!
Gostaria que me esclarecesse qual constitui um melhor uso da lingua: a frase «Rogou a Deus para que lhe desse saúde», «Rogou a Deus para lhe dar saúde» ou «Rogou a Deus que lhe desse saúde». Será que as frases são todas aceitáveis?
Grata pela vossa disponibilidade.
A frase preferível será a que inclui uma oração completiva introduzida por que:
(1) «Rogou a Deus que lhe desse saúde.»
De acordo com Celso Luft, no Dicionário prático de regência verbal, é má regência a construção «rogar a alguém para fazer algo», sendo correta a construção «rogar a alguém que faça algo». Mira Mateus inclui o verbo rogar entre os que, tal como o verbo dizer, se constroem com completiva como argumento interno directo1.
Por essa razão, é preferível a construção indicado em (1).
Disponha sempre!
1. Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa. Caminho, p. 601 [nota 19].
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