Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

1. Entusiasmada, a professora sorriu.

2. A professora, entusiasmada, sorriu.

3. A professora sorriu entusiasmada.

Nas três frases, pode considerar-se que o adjetivo tem um valor adverbial e que desempenha a função sintática de modificador do grupo verbal em todas as ocorrências (grupo móvel)? Considerando a possibilidade de, nas frases 1 e 2, ser um modificador do nome apositivo, esta função sintática pode ser constituída por um grupo adjetival (considerando a informação do Dicionário Terminológico, onde se lê que, tipicamente, são grupos nominais ou orações)?!

Ou é obrigatório subentender-se uma oração subordinada adjetiva relativa explicativa («que estava entusiasmada»)?! Neste caso, só na frase 2 isso seria possível...

Grata desde já pelos vossos esclarecimentos.

Resposta:

Nas frases em questão, o constituinte entusiasmada é um adjetivo que desempenha a função de modificador do nome apositivo.

Antes de mais, comprovamos que, nas frases apresentadas, entusiasmada é um adjetivo pelo facto de admitir flexão em grau, sendo compatível com o advérbio muito:

(1) A professora, muito entusiasmada, sorriu.

Para além disso, comprova-se que entusiasmada incide sobre o grupo nominal «a professora» pelo fenómeno de concordância. Uma alteração no género e número deste grupo nominal geraria alterações no adjetivo, como se observa nas frases (2) e (3):

(2) «O professor, muito entusiasmado, sorriu.»

(3) «As professoras, muito entusiasmadas, sorriram.»

A função sintática desempenhada pelo adjetivo identifica-se pelo facto de este incidir sobre o grupo nominal, independentemente da sua posição na frase. Uma vez que não constitui um argumento do nome professora, desempenha a função de modificador do nome. Trata-se em particular de um modificador apositivo porque não restringe o valor referencial do nome, constituindo, antes, um comentário que pode ser eliminado da frase sem prejudicar a sua gramaticalidade. Neste caso particular, o modificador constitui um comentário avaliativo sobre a realidade denotada pelo nome1, pelo que o adjetivo terá uma natureza avaliativa (mais do que adverbial). Recorde-se que os adjetivos avaliativos «expressa[m] uma avaliação subjetiva, geralmente da responsabilidade do falante, acerca das entidades referidas pelo sintagma nominal»2.

Refira-se ainda que quando os adjetivos não são identificadores, ainda que incidam sobre o nome, podem surgir noutros locais da frase3, o que justifica a possibilidade das frases (4) e (5), sem que a função do adjetivo se altere.

Outra leitura possível é a de que o adjetivo poderá ter uma leitura não atributiva (com...

Pergunta:

Qual é a forma correta para a seguinte frase: «As filhas aprendiam a serem como as mães» ou «as filhas aprendiam a ser como as mães»?

Na minha opinião, a segunda frase é a correta. Contudo, tenho visto defender-se a primeira opção.

É possível elucidarem-me?

Resposta:

Neste caso, a forma preferencial é a que inclui o infinitivo não flexionado (na sua forma dita impessoal).

Embora existam muitas flutuações no caso de uso dos infinitivos não flexionados (infinitivo impessoal) e flexionado (infinitivo pessoal), os usos gerais indicam que quando um verbo tem uma oração completiva infinitiva como complemento direto, o infinitivo não flexionado é preferido na maior parte das construções1. Esta é a situação presente na frase transcrita em (2), o que justifica a preferência pelo infinitivo não flexionado:

(2) «As filhas aprendiam a ser como as mães.»

Disponha sempre!

 

1. Há, todavia, exceções. Para mais informações, cf. Barbosa e Raposo in Raposo et al., Gramática do português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1927-1934.

Pergunta:

Gostaria de saber se está correta a frase seguinte:

«Atento a resposta anterior, informa-se que deverá usar o formulário disponibilizado na página eletrónica da organização X.»

Obrigada.

Resposta:

A construção apresentada na pergunta tem correntemente usos muito pouco frequentes.

Corresponde ao particípio passado do verbo atentar, com o significado de «tendo em consideração, tendo em conta»1.

Se for usado como adjetivo, deve concordar em género com o nome que acompanha: «atenta a carta».

No contexto em que a expressão está a ser usada, tudo indica que se deverá proceder à concordância com resposta:

(1) «Atenta a resposta anterior, informa-se que deverá usar o formulário disponibilizado na página eletrónica da organização X.»

Disponha sempre!

 

1. Dicionário da língua portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa.

Pergunta:

Normalmente, as conjunções subordinativas atraem os pronomes. No entanto, na frase que se segue é possível que o pronome destacado venha depois do verbo?

«Odeia-o porque ver-SE casada com ele será um inferno.»

Obrigado.

Resposta:

Na frase em questão, deve colocar-se o pronome clítico em posição enclítica (depois do verbo).

Tal acontece porque a oração «ver-se casada com ele» não  se relaciona diretamente com porque, pois é uma oração infinitiva que constitui o sujeito de «será um inferno». Assim sendo, o pronome mantém-se em posição enclítica.

Note-se ainda que,  neste caso, a oração introduzida por porque não é uma oração subordinada. Trata-se antes de uma oração coordenada explicativa. Por esta razão, porque é uma conjunção coordenativa, e não uma conjunção subordinativa.

Refira-se, ainda, que deverá ser colocada uma vírgula antes da oração explicativa:

(1) «Odeia-o, porque ver-se casada com ele será um inferno.»

Disponha sempre!

Pergunta:

A minha dúvida prende-se com a subclasse dos verbos, considerando a ativa e a passiva.

A propósito da frase «Quando a pergunta me foi feita» (não estando expresso o complemento agente da passiva), encontrei uma ficha com uma questão para indicar a subclasse do verbo fazer, dando como solução transitivo indireto. Ora, esta situação levou-me a considerar o porquê de se admitir que o complexo verbal passivo peça complemento indireto (me) e se ignore o facto de o sujeito da frase passiva constituir um complemento direto na ativa. Ou seja, na ativa o verbo fazer é transitivo direto e indireto.

Passando para a passiva, essa classificação mantém-se (uma vez que a ação é a mesma) ou altera-se?

Mas, se é diferente, por que motivo consideraram que o complexo verbal «foi feita» pede complemento indireto (comum à ativa e passiva – «foi feita a quem?») e não se considera que selecione também complemento agente da passiva («foi feita por quem?»), não existindo nas subclasses do verbo principal uma para este tipo de complemento...(o transitivo indireto seleciona complemento indireto ou oblíquo, mas não encontrei em nenhuma gramática o complemento agente da passiva).

Faz-me confusão considerar o que é óbvio (o me que se mantém nas duas formas) e ignorar o que fica por esclarecer...

Reconhecendo que esta seria daquelas perguntas que não se fazem, a estar feita, surgiu-me a dúvida e, independentemente da utilização da questão da ficha, gostaria de a esclarecer.

Resposta:

A natureza de um verbo mantém-se na forma ativa e na forma passiva.

Antes de mais, recordemos que só os verbos transitivos podem surgir numa construção passiva1. Estes verbos mantêm a sua natureza na forma passiva, na qual se verifica uma situação particular em que o seu argumento interno (o complemento direto) passa a desempenhar a função de sujeito, o que significa que as orações passivas são um caso particular de orações sem complemento direto.

A construção em questão, que aqui transformamos em frase simples para facilitar a análise, apresenta um verbo transitivo direto e indireto na sua forma ativa:

(1) «Ele fez-me a pergunta.»

Quando se transforma a frase ativa em passiva, o constituinte com função de complemento direto desloca-se para a função de sujeito, mas o verbo fazer mantém a sua natureza, continuando a ter um argumento interno, que ocupa outra posição na frase, ficando o seu espaço de complemento direto não preenchido.

Por estas razões, consideramos que o verbo fazer é um verbo transitivo direto e indireto.

Disponha sempre!