Projecto-piloto envolve seis países e visa promover o acesso dos surdos ao mercado de trabalho europeu
Sabe como se diz madeira em linguagem gestual inglesa? Raspa-se duas vezes o polegar da mão direita sobre a palma da mão esquerda. Já em lituano, para dizer a mesma palavra, um surdo tem que flectir o braço esquerdo para cima, batendo duas vezes no respectivo cotovelo com a outra mão. E em português? Os gestos voltam a ser diferentes. E é para eliminar as barreiras que se colocam aos surdos de diferentes nacionalidades que seis países europeus, entre os quais Portugal, se lançaram num projecto-piloto de criação de um dicionário on-line de língua gestual multilingue.
«Um dos objectivos é promover o acesso dos surdos ao mercado de trabalho europeu», enuncia Orquídea Coelho, investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCE-UP) e coordenadora da equipa portuguesa que integra, além de investigadores e formadores, quatro alunos surdos da UP. Além de Portugal, participam neste projecto, orçamentado em 402 mil euros e co-financiado pelo Fundo Social Europeu, equipas da Suécia, Espanha, Lituânia, República Checa e Reino Unido.
O dicionário, que será disponibilizado on-line de forma gratuita, vai abarcar a tradução de mil palavras em seis diferentes línguas. Um conjunto formado por vocábulos do quotidiano e também termos técnicos ligados às áreas da marcenaria e da restauração. Isto porque o objectivo último deste projecto é precisamente auxiliar o acesso dos surdos à formação naquelas áreas profissionais. «Foram escolhidas estas áreas porque as equipas dos outros países pertencem a escolas profissionalizantes que têm a madeira e a restauração em comum», explica Orquídea Coelho.
Uma versão incompleta do dicionário já está on-line (www.spreadthesign.com), disponibilizando imagens de várias palavras em inglês, lituano, sueco e espanhol. «Já filmámos duzentas palavras, mas que ainda não foram lançadas na Internet por causa de um problema informático que esperamos resolver dentro de alguns dias», adiantou a investigadora. As primeiras 500 palavras têm que ficar prontas até Julho. Para trás ficaram vários meses de negociações da lista de palavras e das regras de filmagem. «Os gestos são todos validados por surdos "seniors" e as filmagens têm decorrido aos sábados de manhã, sendo iguais em todos os países: os intérpretes vestidos com uma camisola preta num fundo cor de laranja.»
Em Setembro, arranca a segunda fase com a gravação de gestos relacionados com a restauração. «Tudo o que seja ligado aos alimentos, a sua confecção e conservação, e ao servir à mesa», explicita Orquídea Coelho. As dificuldades maiores surgem quando uma palavra não tem correspondência na língua gestual. «Nesses casos, recorremos à dactilologia, ou seja, soletramos as letras com as mãos, e isso é possível porque existe um gesto para cada letra do abecedário.»
Em teoria, o dicionário multilingue de língua gestual poderá ajudar o universo de cerca de 150 mil surdos que se calcula existirem em Portugal. E a esperança é que motive quem queira aventurar-se no mercado de trabalho europeu, podendo nomeadamente facilitar a formação profissional nos países aderentes ao projecto. «Um surdo que queira fazer um estágio profissional na Suécia, Lituânia ou República Checa, por exemplo, vai encontrar suporte e amparo neste dicionário. Aliás, esses países já estão a fazer programas de mobilidade para surdos, ao contrário do que se passa aqui», declara Orquídea Coelho, lamentando o facto de em Portugal haver «despachos normativos muito acertados nesse sentido mas que nunca foram aplicados no terreno».
A conferência anual final do projecto vai realizar-se em Portugal, em Julho de 2008, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Mas o projecto ficará acessível à comunidade de surdos muito antes dessa data. Aliás, no endereço www.spreadthesign.com, de acesso gratuito, já podem ser consultadas as primeiras de um total de mil palavras: ligadas ao sector da marcenaria e da restauração, mas também ao quotidiano dos seis países aderentes ao projecto.