A legendagem, dizem os tradutores, é mais didáctica que a dobragem. Baixa os níveis de iliteracia, propicia a leitura e estimula a relação com a língua. Mas ambos os sistemas são falíveis e, por vezes, deturpadores de sentido. Em Portugal, onde o uso das legendas é predominante, TVI e TV Cabo são quem comete os piores atropelos.
Ninguém sabe explicar por que é que o planeta, em matéria de televisão, está dividido em duas partes: os países que, genericamente, dobram tudo o que passa no pequeno ecrã, no vídeo ou no cinema e os países que optam pela legendagem das produções. Ninguém sabe explicar exactamente quais os critérios que presidiram à escolha de um ou outro método, mas sabe-se que, uma vez criado o hábito, não existe grande retorno.
Em Portugal, onde a legendagem é uma instituição, as experiências de dobragem de filmes ou séries foram pontuais e efémeras. Em Espanha, é o oposto. Na Polónia, a situação é anedótica: tudo é dobrado pela mesma pessoa, um homem que faz todas as vozes, de todas as personagens, seja uma avó de 80 anos ou uma criança de cinco, um pai de família ou uma adolescente, através de modulações de voz. E quando se tentou introduzir o método da legendagem, a rejeição foi nacional.
Mas os tradutores, a julgar pela intervenção de Yves Gambier, da Universidade de Turku, na Finlândia, têm uma predilecção pelo método de legendagem em televisão, que consideram ser mais pedagógico em termos da relação do espectador com a língua. Falando no seminário "Tradução, Tradutores e Traição na Comunicação Social", que ontem terminou em Lisboa, Yves Gambier explicou que a tradição de legendagem na Holanda, por exemplo, tem uma relação directa com o abaixamento dos níveis de iliteracia. Além disso, ver uma produção legendada "valoriza a capacidade de leitura, auxilia na aprendizagem das línguas estrangeiras, aproxima as pessoas da sua língua e induz numa maior tolerância cultural e linguística". A leitura, acrescentou, é um acto menos passivo do que o consumo da televisão falada na língua nativa. Alguns operadores como a BBC, têm tanta consciência disto que optaram por colocar legendas em inglês em produções faladas na mesma língua, exemplificou.
Apesar destas virtualidades, a legendagem não está a salvo das críticas em torno da falibilidade das traduções em televisão. Yannick Lebtahi, da Universidade Charles de Gaulle, em Paris, exibiu os resultados de um trabalho comparativo feito com três "sitcoms" estrangeiras que foram dobradas e legendadas em francês. O estudo permitiu concluir que existem "traições" entre a versão original e a sua adaptação para outra língua, sobretudo no esforço de adaptar as referências culturais. Apesar de ter concluído que as "infidelidades" são menores na versão legendada, a oradora detectou casos de tradução errada que resultaram "na transformação da personalidade dos protagonistas" e até "alteraram a trama narrativa".
Em Portugal, onde as legendas são uma instituição, o processo de legendagem está longe de possuir uma qualidade uniforme. Rosário Valadas Vieira, uma das participantes no seminário, directora de uma empresa de tradução, não tem dúvidas que, entre os operadores nacionais, "a RTP e a SIC são quem melhor acautela o trabalho de tradução". Por oposição, TVI e TV Cabo deixam muito a desejar. Nenhuma das duas possui condições para promover uma legendagem de qualidade: a TVI porque não tem um departamento de tradução, como os seus concorrentes; a TV Cabo porque deixa o trabalho de legendagem sob a responsabilidade da empresa distribuidora de canais, a Multicanal, sem cuidar de saber onde e quem é que procede a essa operação. "Até pode ser que a legendagem seja feita por empresas de tradução espanholas", admite. O que explicaria o tão baixo nível das legendagens nos canais da TV Cabo.
O futuro é automático
Em Espanha existe um jornal, "El Periodico", que tem duas edições simultâneas, uma escrita em castelhano e outra em catalão. A versão vermelha é a castelhana, o azul é a marca diferenciadora da versão catalã. A produção bilingue do jornal é feita através de um sistema de tradução automática - a única forma de produzir duas edições em simultâneo. A ideia é um sucesso: 45 por cento dos leitores compram a versão catalã, os restantes a castelhana. O sistema traduz automaticamente do castelhano para o catalão, mas não ao contrário. "É uma questão de tempo", avisou Dennis Redmont, da Associated Press, profetizando que "dentro de 10 anos uma parte das noticías será sujeita a um processo de tradução automático e outra parte estará a cargo de tradutores-jornalistas". "A tradução automática está a chegar", vaticinou.
A questão da tradução automática, um verdadeiro susto para os tradutores, pairou durante os dois dias do seminário sobre tradução e comunicação social, perante uma plateia bastante céptica em relação às virtualidades de uma solução totalmente desumanizada. Mas foram várias as intervenções alusivas ao que parece ser uma realidade incontornável para a profissão de tradutor, que terá de se "reinventar" num futuro não muito distante, como defendeu Elkyn Chaparro, um perito em estratégia do Banco Mundial. A investigação em torno de sistemas e "softwares" de tradução simultânea está em curso há anos, em diferentes pontos do globo e não faltam sites na Internet onde é possível confirmá-lo. Há exemplos "on-line": babelfish.altavista.com, babylon.com, e-lingo.com, sytranet.com, pinksoftware.com, entre outros. M.P.
In diário português " Público" de 18 de Outubro de 2000