Num inquérito num universo de 500 crianças cabo-verdianas à pergunta se conheciam falantes de português, 72 por cento responderam que sim: "Turistas"... Solicitados a reproduzir frases em português, muitos deram exemplos ouvidos na sala de aula: "Estejam calados", "Despachem-se", "Vamos distribuir o lanche", "O sino vai tocar"... Com mais de 98 por cento de crianças escolarizadas, o domínio do português está longe de ser um facto em Cabo Verde, sendo o crioulo (um dialecto que mistura português e língua local) que permite a plena comunicação.
Que português se fala, então, na África lusófona? A questão foi objecto de uma mesa-redonda no segundo dia do 20º Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, na semana passada.
Moderada pela professora Maria Helena Mira Mateus, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a mesa-redonda contou com intervenções de professoras e investigadoras de Angola, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe, que deram conta do estado do ensino do português nestes países, explicitando diagnósticos e estratégias para combater o evidente insucesso escolar, uma vez deixado para trás o tempo de luta pela emancipação destes países ante Portugal.
Aprender sob as árvores
Na Guiné-Bissau, onde existem 17 línguas e proliferam as escolas "populares" ou escolas sob as árvores, modo de colmatar a falência do Estado neste âmbito, não é o português que é ensinado, mas o crioulo, e tão-pouco há um centro de onde emanam professores formados para o efeito. Estes acorrem e buscam nestas escolas um meio de subsistência. De resto, o uso do português é restrito à comunicação social, o que pressupõe a sua compartimentação em meio urbano. As escolas "populares" constituem um fenómeno novo e de valorização da escolarização pelas populações rurais, após décadas de divórcio de um ensino ideologicizado e afastado das suas realidades. Disto deu conta a professora Antónia Barreto, doutorada em Ciências da Educação e que desde 1978 vem trabalhando em África, em particular na Guiné-Bissau.
Realidade tripartida em Moçambique
Também em Moçambique se debate e se reflecte sobre um estrondoso insucesso no ensino do português, que se está a procurar inverter, como relatou a professora Ana Maria Nhampule, do Instituto Nacional do Desenvolvimento Educativo. Reconhece-se oficialmente que existe uma realidade tripartida: o português é língua materna nos centros urbanos, língua segunda nas zonas suburbanas e língua estrangeira para a grande maioria dos moçambicanos. Em conformidade com esta constatação é ministrado um ensino monolingue nas escolas primárias das zonas urbanas e suburbanas e bilingue nas zonas rurais, com transição para o português na terceira classe.
Em São Tomé, foi explicando Maria Fernanda Pontífice, ex-ministra da Educação e Cultura, há quatro idiomas, um deles um crioulo de Cabo Verde, que não permite aos respectivos falantes a comunicação entre si. Porém, alguns apenas contactam com o português na escola, não obstante a existência de falantes que têm o português como língua materna. Daqui resulta uma crioulização do português e um aportuguesamento dos crioulos. De resto, é com recurso ao crioulo que o português pode ser ensinado como segunda língua, sendo desejável que os falantes sejam bilingues, como referiu a professora cabo-verdiana Margarida Maria Silva Santos, licenciada pela Escola Superior de Educação de Setúbal.
Tendo talvez em atenção esta realidade, o ministro da Educação de Cabo Verde, Manuel Veiga, um linguista de formação, já veio corroborar uma anterior afirmação do primeiro-ministro de que o crioulo será a língua oficial do país em 2005.
Cf. Lingu[ü]istas debatem em Lisboa Português em África e neologismos de importação