A pequena Editora Segmento, de São Paulo, acaba de lançar o primeiro número da revista "Língua Portuguesa". Na apresentação, o editor-chefe, Luiz Costa Pereira Júnior, afirmou que um dos objectivos da publicação é o de capturar a tenacidade do idioma português, registar seu alcance, a sua dimensão, herança e riqueza material.
Com bom humor, a revista lembra o escritor Rubem Fonseca: «As pessoas que nada têm a dizer são muito cuidadosas na maneira de dizê-lo»; e ainda o "maldito" Nélson Rodrigues (falecido em 1980):
«Não reparem que eu misture os tratamentos de 'tu' e 'você'. Não acredito em brasileiro sem erro de concordância».
A revista informa que a unificação ortográfica de oito países poderá ser realidade até o fim do ano e cita uma fonte da embaixada portuguesa, a dizer que Portugal deverá aprovar o texto antes do fim do ano - o que já foi feito pelo Brasil e países africanos.
A reportagem principal é com o jornalista, escritor e tradutor Millôr Fernandes que diz sobre os presidentes brasileiros: Fernando Henrique é «empolado demais da conta» e Lula «não tem noção das palavras». Millôr prossegue: «Já Sarney é o Lula barroco. Escreve um romance débil mental e passa a ser considerado uma revolução nas letras nacionais».
Um outro texto remonta o poema O Corvo, de Edgar Allan Poe, de 1845, e compara as diferentes adaptações para o português. Em 1883, por exemplo, o brasileiro Machado de Assis - patrono da Academia Brasileira de Letras - traduziu assim o início do poema: «Em certo dia, à hora, à hora/ Da meia-noite que apavora/ Eu caindo de sono e exausto de fadiga/ Ao pé de muita lauda antiga/ De uma velha doutrina, agora morta/ Ia pensando, quando ouvi à porta/ Do meu quarto um soar devagarinho/ E disse estas palavras tais: é alguém que me bate à porta de mansinho, há de ser isso e nada mais».
Em 1924, Fernando Pessoa escreveu: «Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste/vagos curiosos tomos de ciências ancestrais/ E já quase adormecia, ouvi o que parecia/ o som de alguém que batia levemente a meus umbrais/ ' Uma Visita', eu me disse, ' está batendo a meus umbrais. E só isto, e nada mais».
O texto em inglês é: «Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary/ Over many a quaint and curios volume of forgotten lore/ While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping/ As of some gently rapping, rapping at my chamber door. ' This some visitor', I muttered, ' tapping at my chamber door - only this and nothing more».
Uma citação de Ângela Dutra de Menezes, autora do livro O Português que nos Pariu, da editora Relume Dumará, diz: «A língua portuguesa preserva a individualidade de um povo aventureiro, que circulou a África, chegou à China e ao Japão, avançou pela Índia e pela América. E em seguida: «Gente impetuosa diante dos chamados de além-mar, melancólica por causa de sua aventura marítima, mas enfática, de quem não dá viagem perdida - não por acaso, foi a primeira a declarar-se nação independente na Europa». Para a autora, o idioma português é um reservatório dessa identidade dos portugueses.
Segundo a revista, «os portugueses deixaram entre nós sua herança, seus costumes, sua língua. Com ela, tudo o que a cultura lusa é e significa».
[In Diário de Notícias]