«Que coisa pode dizer-se "reservado"? Este lugar, onde hão-de sentar-se pessoas para almoçar ou jantar, está reservado? O uso ou usufruto desta mesa está temporariamente reservado para quem telefonou primeiro a reservá-lo?»
[in jornal "Público" de 4/11/2014]
Dizem que o hábito começou nos anos 60 quando os vinhos verdes do Minho quiseram vender-se no Portugal quente do Sul. A verdade é que até hoje continua, cada vez que alguém telefona para guardar uma mesa, a prática de colocar sobre a dita mesa um assinalador uni ou tridimensional que diz, literalmente: «Reservado».
Ultimamente, nos restaurantes que mais amo, tenho-me dedicado a perguntar aos empregados meus amigos – e cúmplices em quase todas as coisas e certamente em todas as comidas – a que se refere aquele «Reservado».
Todos concordam, imediatamente, que se trata de um erro. A mesa é «reservada» e não «reservado». A culpa é duma língua sem diferenciação (ia dizer) sexual, em que tanto faz «reservado» como «reservada».
Que coisa pode dizer-se «reservado»? Este lugar, onde hão-de sentar-se pessoas para almoçar ou jantar, está reservado? O uso ou usufruto desta mesa está temporariamente reservado para quem telefonou primeiro a reservá-lo?
A verdade é que os objectos impressos que defendem as mesas de visitantes espontâneos e usurpadores deveriam soletrar «reservada», por atenção à mesa, em vez do analfabeto «reservado».
São tantos os pontapés na gramática na nossa vida comum que ficamos imunes aos dislates. Chegamos a um restaurante onde marcámos (pedimos para nos guardarem) uma mesa e sentimo-nos confortados por se terem lembrado de nós.
O alívio e o conforto impedem-nos de perceber que a palavra "reservado" está mal. E mete nojo.
In Público” de 4 de novembro de 2014. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico mantida pelo jornal português.