Crónica de Wilton Fonseca sobre a incompatibilidade do valor de suposição do futuro do indicativo com as exigências de objetividade da escrita jornalística.
O futuro não é limitado e imprevisível apenas para Paulo Bento. Os jornalistas igualmente mantêm uma relação difícil com as previsões e com o futuro, um tempo verbal pouco utilizado por quem tem como ofício relatar no presente e nos pretéritos, comentar e explicar o que está a acontecer, aconteceu e até mesmo o que não aconteceu, confrontar pessoas e dados.
Por isto é estranho ler frases como esta: «A vítima mortal terá dois filhos menores e a sua mulher, que se encontra internada, mas sem correr risco de vida, terá um filho já adulto.» Como é evidente, não se trata de um simples futuro. As gramáticas indicam que, quando utilizado em substituição do presente, o futuro exprime incerteza ou ideia aproximada, uma possibilidade ou uma asseveração modesta, além de um não comprometimento do falante (o comunicador, o jornalista) relativamente ao valor da verdade da afirmação. Em outras palavras, o jornalista não sabe se efectivamente a vítima tem dois filhos menores, ou sequer se tem filhos, nem sabe se a mulher tem um filho, adulto ou não.
Conclusão: o jornalista tem apenas uma ideia. Sem certezas, não investigou (por preguiça ou falta de tempo), não confirmou a informação que recebeu. Isto é muito frequente. Quantas vezes não ouvimos nos telejornais um «vamos em directo à sede do partido X, onde o secretário-geral estará a discursar neste momento...» É a incerteza e a negação do presente. Se um dia alguém escrever uma gramática para a comunicação social, talvez possa baptizar este tempo verbal de «futuro da preguiça».