Crónica do jornalista português João Gobern, emitida na Antena 1, no dia 6 de Outubro de 2008, à volta do chamado "tecnocratês" em circuito fechado, de muitas sílabas e ao ritmo do império linguístico anglo-americano.
Há algum tempo, a braços com uma tarefa profissional que aceitei de boa-fé e em que acabei a maldizer a minha sorte, recebi uma mensagem electrónica que começava assim: «Relativamente às nossas necessidades, houve efectivamente uma evolução no desenvolvimento de projecto, sendo que vamos reavaliar e colocar à sua ponderação.» Tentarão os menos avisados adivinhar em que altas cavalarias andaria eu metido para suscitar uma resposta de tal quilate. Lamento desiludir os que em mim depositaram tais expectativas.
Deixem-me que explique: na fase final desse trabalho, eu tinha apenas perguntado em concreto o que ainda esperavam de mim para concluir a colaboração, qual o prazo que estava destinado, alertando para a dificuldade de me deslocar para longínquas terras e estranhando que me estivessem, nesta etapa derradeira, a acrescentar responsabilidades não acordadas. Relembro a resposta, que é um mimo: «Relativamente às nossas necessidades, houve efectivamente uma evolução no desenvolvimento de projecto, sendo que vamos reavaliar e colocar à sua ponderação.» O que é que isto quer dizer? Basicamente nada. Mas, para mal dos nossos pecados, este mimo é um exemplo rigoroso da linguagem oca, tão corrente nos nossos dias.
Lembrei-me de um livro lapidar, em que o assunto também é abordado — chama-se Bonjour Paresse, foi escrito em tom provocador pela francesa Corinne Maier e, infelizmente, não tem tradução. Em tom de brincadeira, a autora aborda muito a sério o léxico que parece fazer escola nas empresas e repartições dominadas pelas teorias da Nova Empresa, bastante pior do que a velha, mas muito mais camuflada. Assim, constata que "inicializar" substituiu começar, da mesma forma que "finalizar" rendeu o obsoleto acabar. Que a empresa não se coloca — "posiciona-se". Que parece haver prémios para as palavras terminadas em ência: competência, experiência, eficiência, coerência, excelência. Corrijo: algumas palavras deste grupo, já que sobrevivência não faz parte dos termos utilizados. Que a empresa declina. Que a empresa soluciona. Que a empresa prioriza. Que a empresa agiliza. Que a empresa implementa. Que a empresa, evidentemente, internacionaliza-se quando o seu funcionário proclama, a plenos pulmões: «Estou a fazer o "follow-up" do projecto de "merging" e a "checkar" o "downsizing". Mas todos os "charts" constam do "reporting" enviado, do qual aguardo "feedback".»
Dá vontade rir? Claro, mas é um drama. Tratar bem a língua não implica estender as palavras por muitas sílabas, montar um discurso de circuito fechado, abrir as fronteiras ao império linguístico anglo-americano. Mas, sobretudo, não implica este vazio, de pompa e circunstância, no significado ou na falta dele. A epidemia alastra: no meu tempo, os alunos chumbavam. Hoje, são sujeitos a retenção. Mas não muito, que é preciso optimizar os índices do sucesso escolar, que têm pouco que ver com o saber alguma coisinha. Até no futebol, santo Deus, para admitir que fomos esmagados pelo adversário se ouve dizer que «devemos procurar realidades mais consentâneas com as nossas possibilidades».
É uma desgraça, tudo isto. (...)
Antena 1, 6 de Outubro de 2008