Dentro de poucos dias [o primeiro-ministro português] José Sócrates desembarcará em Luanda. Vem, ao que dizem os jornais, acompanhado por trinta empresários portugueses. Dizem os mesmos jornais que nos últimos quatro anos, dez mil empresários chineses visitaram Angola, o que dá uma média de dois mil e quinhentos por ano, ou seja, cerca de duzentos por mês. No último mês foram inaugurados na Ilha de Luanda dois enormes restaurantes chineses. Jantei num deles, uma construção simples mas muito elegante, com um espaço coberto, e uma larga esplanada aberta sobre as águas lisas da baía. Havia dezenas de chineses a jantar. Homens e mulheres bem vestidos, com o ar seguro, confiante, de quem se sente em casa. A casa de um homem de negócios, já se sabe, é qualquer lugar onde ele pode, com muito dinheiro, fazer muito mais dinheiro. Procurei no cardápio pelo shop-suei, o chau-min, o arroz chau-chau, o pato à Pequim. Não encontrei nenhum prato conhecido. Isso surpreendeu-me. Foi o primeiro restaurante chinês no qual, suspeito, comi comida chinesa.
Nas conversas, ao domingo, nos bares da Ilha, os angolanos comparam preços. Alguém lembra que o Estádio dos Coqueiros foi reconstruído por uma empresa portuguesa por vinte milhões de dólares. Já o estádio do Interclube de Luanda, levantado de raiz por uma empresa chinesa, terá ficado em dois milhões e meio de dólares.
Algumas das maiores obras públicas em Angola, como a reconstrução do Caminho de Ferro de Benguela, foram entregues a empresas chinesas. O regime angolano confia na capacidade de trabalho dos chineses. A execução destas obras nos prazos previstos – apenas vinte meses, por exemplo, no caso do Caminho de Ferro de Benguela – talvez possa melhorar a imagem, muito degradada, do Presidente José Eduardo dos Santos, e do seu partido, ainda a tempo das próximas eleições. Na perspectiva do regime angolano os amigos chineses têm, finalmente, a enorme virtude de, ao contrário de europeus e americanos, não procurarem condicionar empréstimos, ajudas ou investimentos, ao avanço do processo democrático, ou ao respeito pelos direitos humanos.
Os chineses estão rapidamente a conquistar o mercado angolano da construção civil, e é difícil acreditar que as construtoras portuguesas, ou quaisquer outras, sejam capazes de competir com eles. Além de chineses, desembarcam todos os meses em Angola centenas de empresários sul-africanos, israelitas, brasileiros, paquistaneses, libaneses, etc., numa torrente que nem a recente epidemia de cólera, ou a prevalência do paludismo e da febre amarela, nem o elevadíssimo custo de vida em Luanda, uma das cidades mais caras do mundo, consegue desencorajar.
Sócrates chega a Luanda, com os seus trinta empresários, e poderiam ser trezentos, ou três mil, que não faria muita diferença, em plena euforia da reconstrução. Chega um pouco tarde. Por um lado arrisca-se a ser apenas um entre tantos. Por outro, receio que o ênfase dado à vertente económica desta visita não beneficie a imagem de Portugal junto da opinião pública angolana. Onde Portugal se pode distinguir da China, de Israel ou até mesmo da África do Sul, potência regional, é no campo da educação e da cultura.
Existem em Luanda, creio, seis restaurantes chineses, dois ou três indianos e um, particularmente original, sueco-vietnamita. Devem ser os únicos onde não se come bacalhau. O que quero dizer com isto é que, não obstante uma certa corrente antiportuguesa ainda muito activa, alimentada por um sem número de receios e rancores, a sociedade angolana permanece culturalmente muito próxima da antiga potência colonial.
Espero, finalmente, que, ao contrário do que fizeram alguns dos seus ministros, José Sócrates tenha a coragem, e o bom senso, de não elogiar a "democracia" angolana. Angola não é ainda uma democracia, mas existe liberdade de expressão, e a imprensa independente, muito crítica em relação ao regime, não aprecia este tipo de cedências. Até agora os governantes portugueses têm-se mostrado muito mais interessados em agradar a José Eduardo dos Santos e ao seu regime, do que à opinião pública angolana. A médio prazo, porém, parece-me que mais vale conquistar o coração do povo angolano do que agradar a um homem, José Eduardo dos Santos, cujo destino irá depender da vontade desse mesmo povo.
in jornal Público, de 26 de Março de 2006