«Se em países africanos o português é factor de "unidade", em Timor se se falar apenas português os jornalistas "não vão perceber"», foi dito no debate "O futuro da língua portuguesa" [realizado em Lisboa, no âmbito da celebração do Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP, a 5 de maio de 2015] – conforme se reporta nesta notícia do jornal "Público" do dia 5/05/2015.
“Óoauêaió!” A expressão, sem consoantes, usada por surfistas brasileiros para dizer “Olha o barulho aí ó você!”, foi o exemplo dado por Paulo Motta, editor executivo d’O Globo, para lançar uma questão sem resposta: “Que português falaremos no futuro?”. O que o debate entre directores e editores de jornais de todos os países lusófonos permitiu, esta terça-feira, em Lisboa, foi antes a discussão sobre problemas de afirmação e potencial da língua comum.
Se a pergunta sobre o português do futuro era meramente retórica e a resposta exigiria dotes de adivinhação, os participantes não se furtaram ao desafio lançado pelo moderador, Nuno Pacheco, director-adjunto do ”Público”, e disseram como vêem o presente e “O futuro da língua portuguesa” – tema do debate organizado pelo Movimento 2014 - 800 anos da língua portuguesa.
«Sem a língua portuguesa, como é que íamos comunicar?», questionou Delfina Mugabe, editora-chefe do jornal Notícias, de Moçambique, lembrando a multiplicidade de línguas locais no seu país. «Onde existe o problema? A falta de investimento. O ensino não é prioridade», lamentou.
Francisco Carmona, editor-executivo do também moçambicano Savana, apontou o paradoxo de o português ser «língua oficial e ser falado apenas por uma minoria». Defendeu que é preciso, em primeiro lugar, promover o ensino das línguas locais para, a partir daí, «se aprender o português», o idioma com que se faz a política e a economia e que «é o caminho».
O optimismo sobre futuro da língua portuguesa foi o tom dominante do debate. O guineense António Nhaga, d’ O Democrata, recordou Amílcar Cabral, quando disse que a maior riqueza que o colono deixou foi a língua, e chegou a declarar que «o futuro da Guiné-Bissau depende do futuro da língua portuguesa». Tal como Bacar Baldé, director do Nô Pintcha, apontou um aspecto da actual situação no país: a influência recíproca do crioulo e do português.
Mas as dinâmicas são «muito diferentes», como afirmou o deputado português Ribeiro e Castro, do Movimento 2014. Se em S. Tomé e Príncipe, como noutros países africanos, o português é factor de «unidade», como também disse Abel Veiga, director do Téla Nón, não é assim em todo o espaço lusófono. Em Timor-Leste, se numa cerimónia pública se falar apenas português, os jornalistas «não vão perceber», contou Salvador Soares, do Suara Timor Loro Sae.
Defina Mugabe notou que o português «começa a ganhar espaço nos eventos internacionais». Mas, tal como outros participantes, lamentou que os dirigentes políticos não usem por regra a língua nacional nos fóruns internacionais. «O grande inimigo do português é o medo de se falar português», chegou a dizer o cabo-verdiano António Monteiro, do Expresso das Ilhas. Sabino Lopes, do guineense Última Hora, criticou o facto de, numa recente deslocação à Costa do Marfim, o alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, ter feito vários discursos em inglês e francês e nenhum em português.
Só um maior investimento no ensino – reclamado por intervenientes como Jaime Langa, director do Notícias, ou Sabino Lopes – poderá permitir que o português seja aquilo que Filomena Silva, d’A Semana, de Cabo Verde, o considera: um «veículo geoestratégico» com “grande potencial, que nos vai servir a todos no desenvolvimento sustentado”. Ouviram-se críticas à falta de investimento na difusão da língua e foi apontado o dedo a Portugal. Mas nesse ponto as opiniões dividiram-se. «Não vejo por que é que tem que se dar essa responsabilidade a Portugal», afirmou Sales Neto, do Semanário Angolense.
Embora não tenha ocupado o essencial do debate, o Acordo Ortográfico não este ausente – «veio desarrumar o português», considera Sabino Lopes. Mas o futuro da língua não se encerra na linguística nem na gramática, como observou Paulo Motta. «Em vez de discutirmos gramática, para a cultura lusófona é importante conquistar corações e mentes, o que se faz com o fado, com o samba, com o kuduru», disse ao “Público”. No debate já tinha dado uma novidade para muitos: «Hoje em dia, ouve-se mais bossa nova no Japão do que no Brasil».
in jornal "Público" de 5 de maio de 2015. Respeitou-se a antiga grafia seguida pelo jornal português.