O debate sobre o multilinguismo entrou na agenda europeia. A Comissão Europeia (CE) apresentou uma comunicação com o lema "Aprende línguas e serás alguém", o Parlamento Europeu aprovou um relatório e, a partir de Janeiro de 2007, haverá um comissário para o Multilinguismo, o romeno Leonel Orban.
Com o passar dos anos e sucessivos alargamentos, a União Europeia (UE) vai ganhando cidadãos e novas línguas. Neste momento, o arco-íris idiomático já é composto por vinte línguas oficiais, correspondendo a 25 Estados membros (EM), uma vez que a Alemanha e a Áustria partilham o alemão, o Reino Unido e a Irlanda, o inglês, a Grécia e Chipre, o grego, e a Bélgica e o Luxemburgo partilham as línguas dos vizinhos franceses, neerlandeses e alemães.
A diversidade linguística está consagrada na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais e é um valor central da construção europeia, ainda que, do ponto de vista pragmático, acarrete iniludíveis dificuldades e elevados custos. Para pôr a funcionar esta moderna Torre de Babel, é necessário um exército de tradutores e intérpretes. A interpretação simultânea é o principal problema, como reconheceu o director-geral da Interpretação, Marco Benedetti: "É muito difícil encontrar tradutores que falem maltês e eslovaco, fluentemente, ou grego ou húngaro."
Perante um tal labirinto linguístico, várias vozes se fazem ouvir em defesa de um idioma neutro, o esperanto, e outras do inglês. Mas, como alguém disse, pode-se ser bilingue, mas não apátrida da linguagem à procura de asilo numa língua de acolhimento. A política linguística é um tema delicado, que mexe com duas áreas muito sensíveis: a da identidade e a das emoções. De tal modo que é mais fácil chegar a um acordo sobre a moeda única do que sobre as opções linguísticas.
A UE é um caso singular de unidade na diversidade. Os cidadãos europeus têm o direito de se dirigirem às instituições na sua língua nacional e são encorajados a aprenderem outras línguas, até por razões de mobilidade profissional.
Um estudo de opinião intitulado "Os europeus e as suas línguas" conclui que os conhecimentos da população europeia estão a aumentar, mas distribuídos de maneira desigual. O ambicioso objectivo "língua materna +2" nunca será aplicado igualmente em todos os EM. O inglês detém uma situação claramente hegemónica, é o latim da actualidade. Os cidadãos que têm o inglês como língua nacional usufruem de uma situação privilegiada, pelo que não têm a mesma necessidade de aprender outras línguas. São os naturais dos países mais pequenos e falantes de línguas menos conhecidas os que mais desenvolveram a sua competência linguística noutras línguas.
Em teoria, todas as línguas são iguais, mas na prática, há situações de hierarquia e privilégio. Até porque não têm todas a mesma projecção e o mesmo potencial internacional. Não há inocência nem acaso nas escolhas linguísticas.
O português é uma das grandes famílias linguísticas do mundo actual e é um caso singular na Europa e no mundo - língua co-mum de oito países, falada por duzentos milhões de pessoas, espalhadas pelos cinco continentes -, pelo que devia ter um lugar especial no conjunto das línguas oficiais europeias. É a terceira língua da União Europeia mais falada no mundo. Depois do inglês e do espanhol e antes do alemão, do francês e do italiano. E o seu legado histórico é inesti- mável, pois foi a primeira língua europeia a estabelecer uma verdadeira ponte cultural entre o Ocidente e o Oriente. A língua de Camões devia ter na UE um estatuto correspondente à sua projecção internacional. Por isso importa - nas palavras de Miguel Torga - tornar conhecida da "Europa culta" a língua portuguesa "para que a singularidade expressiva de um povo (...) possa de ora avante patentear à curiosidade cosmopolita toda a sua riqueza e originalidade". É um dever dos deputados portugueses no PE.
Texto publicado no “Diário de Notícias” de 10 de Dezembro de 2006