Literaturwerksttat e Lyrikline, Akademie der Kunte, Ministério da Cultura português e Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas, Fundação Calouste Gulbenkian, Instituto Camões, patrocínios de empresas alemãs, poetas portugueses, brasileiros, angolanos, guineenses, são-tomenses, cabo-verdianos, moçambicanos e alemães, as línguas de Camões e de Goethe "trocando de rosa", como magnificamente escreveu Eugénio de Andrade sobre o acto de traduzir, tudo se conjugou para a hora e a vez da língua portuguesa no lugar geométrico que é a cidade de Berlim. Tal facto/feito aconteceu, de 5 a 13 de Julho, neste ano bissexto de 2008, na 5.ª edição do Festival Internacional de Poesia, um dos mais importantes no panorama dos acontecimentos culturais na Europa.
Vamos por partes. E comecemos por um milagre: a escolha da língua portuguesa em terra avara a tais atenções. É certo que o país das laranjas já foi tema na Feira de Franqueforte. E que isso teve algumas consequências: dos autores de língua portuguesa divulgam-se hoje, em alemão, as obras de Lídia Jorge, António Lobo Antunes, Saramago obviamente, alguns outros. O grande Guimarães Rosa precedeu-os. Mia Couto, moçambicano, surge agora com peso nos escaparates. José Eduardo Agualusa ou José Luís Peixoto começam também a deixar a sua pegada.
Desconhecem-se os meandros da escolha da língua de Pessoa mas a presença de poetas que nela se exprimem não deixou de suscitar o interesse do público presente, diverso e numeroso. E houve nomes como os de Marco Luchesi, Arnaldo Antunes, Manuel Alegre, Ana Luísa Amaral, Paulo Teixeira, Pedro Sena-Lino, Tony Tcheka, Armando Artur, João Maimona, Ana Paula Tavares, Olinda Beja, Filipe Santo, Paulo Henriques Brito, Angélica Freitas, Luís Carlos Patraquim.
As oficinas de tradução, em dias de suada troca de palavras e versões de poemas nas duas línguas, deram azo a apresentação pública, com os poetas a lerem os textos de sua autoria e os vertidos "na língua do outro", em duas sessões muito concorridas no auditório da Academia de Arte de Berlim, palco para maior parte dos eventos. O resultado desse trabalho será objecto de publicação em livro, edição bilingue, a surgir até ao final deste ano.
Paralelamente a esta actividade, cada um dos autores gravou os seus poemas para a Lyrikline, sítio da Internet desenvolvido pela Literaturwerkstatt - entidade promotora desta iniciativa - que reúne, na voz dos autores e em traduções escritas, mais de 50 idiomas.
Privilegiamos, aqui, as actividades que contemplaram a língua portuguesa, dado que o Festival foi de uma amplitude sem paralelo, reunindo mais de 200 artistas de todo o mundo, entre músicos e cantautores, protagonistas de novas tendências das artes performativas, da poesia visual, dança e artes visuais.
O arquipélago da língua portuguesa marcou presença, logo na noite de abertura, com Manuel Alegre e Arnaldo Antunes (Brasil) na Weltklang/Noite de Poesia, ao lado de poetas da Ucrânia, Dinamarca, Reino Unido, Japão, Eslovénia, Israel, EUA, e Alemanha.
No colóquio "Uma Casa para a Poesia", interveio o brasileiro António C. de Moraes Sartini, do Museu da Língua Portuguesa, de São Paulo. "O Mar de África" reuniu poetas, escritores, músicos e letristas, como Armando Artur (Moçambique), Olinda Beja e Filipe Santo (São Tomé e Príncipe), Kalaf e Ndu (Angola/Portugal), o cabo-verdiano Mário Lúcio com Stephane Perruchet e Edson Dany, João Maimona (Angola) e Tony Tcheka (Guiné-Bissau).
Lisboa, a sua luz, a melancolia que a caracteriza, a diversidade de géneros musicais que nela se mesclam e a língua, que vai da Rua dos Douradores - onde trabalhava um certo Bernardo Soares - ao fado que a veste e se metamorfoseia em novíssimas propostas, teve em Teresa Balté, Paulo Teixeira, Aldina Duarte, Pacman, Miguel Gonçalves e Paulo Parreira, a sua representação poético-musical.
Oportunidade esta, a convite e à boleia, para o que agora se denomina de afirmação estratégica da língua portuguesa, na diversidade plurinacional e cultural que a caracteriza.
Para a divulgação recíproca das literaturas em cada um dos idiomas há, no passado recente, dois pioneiros: Paulo Quintela e Curt Meyer-Clason. A poesia e prosa, sobretudo de portugueses e brasileiros, surgiu em traduções e edições cuidadas na língua de Celan e Brecht. Herdeiros desta aventura, realce, hoje, para o labor infatigável de João Barrento e Yvette K. Centeno.
Falta, agora, a resposta afro-luso-brasileira: institucional, do recurso às infinitas possibilidades que a Internet proporciona, dos meios académicos, da edição - livro, imagem e som. E não é preciso inventar novamente a roda.