Dez propostas para a valorização do Português no Mundo
É actualmente incontroverso que a Língua Portuguesa é falada por um número superior a 200 milhões de indivíduos. O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou, em Junho de 2003, que apenas utilizava o Português nos fóruns internacionais, porque se tratava, pura e simplesmente, da «língua de 175 milhões de brasileiros». Por seu turno, a investigadora Perpétua Gonçalves, da Universidade Eduardo Mondlane (Maputo), revelou recentemente que a percentagem da população moçambicana que fala a língua de Craveirinha subiu para cerca de 40 por cento, o que corresponde aproximadamente a seis milhões de pessoas.
Se adicionarmos dez milhões de portugueses, pelo menos sete milhões de angolanos, mais de cinco milhões de emigrantes portugueses e brasileiros espalhados pelo Mundo, os falantes naturais de Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste e as comunidades de Macau e Goa, chegamos à conclusão de que o total ultrapassa a referida cifra.
Os números disponíveis são relevantes como ponto de partida. No entanto, o mais importante é perspectivar o futuro. De acordo com as projecções de uma agência da Organização das Nações Unidas (PNUD), a população da área linguística da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) será superior a 286 milhões em 2025 e a 335 milhões em 2050.
Estes dados auguram à Língua Portuguesa previsões animadoras de crescimento endógeno e de afirmação no contexto linguístico planetário (sétima língua materna a nível mundial e terceira língua europeia mais falada no Mundo, depois do Inglês e do Espanhol).
Suscitam, por outro lado, desafios muito exigentes e de longo prazo, relacionados com múltiplos domínios, em que avultam, nomeadamente: a integração nos sistemas escolares de muitas crianças e jovens que deles ainda se encontram excluídos; a erradicação do analfabetismo que afecta uma significativa percentagem de cidadãos; a melhoria do domínio da língua por parte de vastas camadas da população apenas formalmente alfabetizadas; e ainda a afirmação no domínio do ciberespaço e a inserção em projectos de ponta no domínio da investigação linguística, designadamente no âmbito da engenharia da linguagem.
Apesar de os falantes de Português se encontrarem em franco crescimento numérico, sobretudo nos continentes americano e africano, não subestimamos o facto de que os baixos índices de desenvolvimento humano que afectam a generalidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa constituem um obstáculo de monta para a sua afirmação universal como língua de cultura e de ciência.
No entanto, as políticas de investimento no ensino básico desenvolvidas nos últimos anos em alguns dos países da CPLP (Brasil, Cabo Verde, Portugal, Moçambique e Timor-Leste), o sucesso do programa «Alfabetização Solidária», aplicado com grande empenhamento cívico pela sociedade brasileira, e a consolidação do processo de paz em Angola criam um registo de um optimismo moderado relativamente ao futuro. É certo que serão necessárias décadas de trabalho entusiástico, de estrénuo esforço e de estreita cooperação para colmatar séculos de políticas que votaram ao analfabetismo crónico as populações que integram a CPLP.
É no sentido de contribuir para a valorização da Língua Portuguesa que apresentamos dez propostas assentes no empenhamento cívico, na motivação de alunos, pais e professores, na participação activa de escritores, investigadores e jornalistas, na definição de políticas que articulem diferentes organismos e instituições, no incremento da ligação das escolas às comunidades em que se inserem, na concretização de programas que fomentem o gosto pela leitura e pela escrita, no reforço da cooperação entre os membros da CPLP e no investimento estratégico na inovação e na investigação.
1. Adoptar mecanismos de coordenação, a nível nacional, dos diversos organismos governamentais com intervenção nos domínios do ensino, investigação, difusão e promoção da Língua Portuguesa, promovendo a sua articulação com os órgãos de comunicação social e as numerosas instituições (academias, institutos, fundações, centros universitários e científicos, sociedades, associações de escritores, professores, linguistas, terminólogos e tradutores, etc.) que desenvolvam actividades correlatas.
2. Criar o programa «A Nossa Magna Língua Portuguesa» - título de um poema de Fernando Pessoa -, vocacionado para a formação contínua de professores de Português dos vários graus de ensino, com a finalidade de induzir a difusão de metodologias renovadas e de adoptar materiais didácticos que incorporem as inovações facultadas pelas novas tecnologias.
3. Atribuir ao Português, no Ensino Básico, uma parcela significativa das Áreas de Estudo Acompanhado e de Projecto, atendendo à sua múltipla função de disciplina instrumental, de veículo de criação cultural e, ainda, de afirmação de identidade.
4. Conceber o programa «Comunicar em Português», destinado a estimular a fundação de Clubes de Português e de jornais electrónicos escolares, de modo a fomentar a prática da leitura e da escrita, o aumento da presença da Língua Portuguesa na Internet e, concomitantemente, a constituição de redes de geminação de escolas nacionais com estabelecimentos congéneres dos Países de Língua Oficial Portuguesa, da Região Administrativa Especial de Macau, do Estado de Goa, de comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo e de Estados estrangeiros que ministrem o Português integrado nos seus currículos (da Espanha ao Japão).
5. Apostar na generalização de estratégias inovadoras e apelativas de fomento da leitura e da escrita entre a população escolar dos vários níveis de ensino e investir na permanente valorização das bibliotecas escolares (livros, material multimédia e meios electrónicos), assegurando-lhes horário idêntico ao período de funcionamento das actividades lectivas.
6. Realizar anualmente uma «Semana da Língua Portuguesa» nas escolas, em articulação com o meio envolvente (câmaras municipais e juntas de freguesia, órgãos de comunicação social, instituições culturais e científicas, associações empresariais e cívicas, comunidades religiosas, etc.).
7. Desenvolver, em estreita cooperação com os meios de comunicação social, programas apelativos (incluindo concursos e consultórios linguísticos) que visem contribuir para um aperfeiçoamento do uso da nossa língua pela população.
8. Criar um «Portal da Língua Portuguesa», que constitua um banco de dados de obras elaboradas ao longo de séculos (gramáticas, discursos em louvor da língua, dicionários, cartilhas, manuais didácticos, artigos de opinião, textos de reflexão, histórias da língua, trabalhos de investigação, terminologias, bases de dados de conhecimento linguístico) e estabeleça uma rede de ligações, em permanente actualização, com sítios especializados, concorrendo, assim, para incrementar a participação do Português no ciberespaço.
9. Propor, no quadro do Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP), a institucionalização de mecanismos destinados a promover a normalização comunitária dos neologismos, difundindo-a através de meios electrónicos, bem como a acompanhar e estudar as consequências das mutações que estão a ocorrer no domínio linguístico em resultado da utilização crescente, sobretudo pela juventude, de mensagens (telemóvel, teletexto e Internet), contribuindo para o aparecimento de novas formas de linguagem e de inovadores códigos de comunicação.
10. Investir nas áreas da normalização linguística e da aprendizagem electrónica do Português; apoiar a inserção da nossa língua nos projectos europeus de natureza linguística, designadamente nos domínios da investigação e da tradução, bem como nos programas linguísticos de âmbito mundial desenvolvidos, por exemplo, pela União Latina; e, finalmente, participar activamente nos debates e iniciativas sobre políticas linguísticas promovidos regularmente pela UNESCO.
in revista "Actual" do semanário português "Expresso"