«‘Lember’, seja o que for – como se escreve nesta crónica do autor, publicada originariamente no semanário angolano Nova Gazeta, no dia 9 de abril de 2015 –, não é um comportamento invejável.» Nem, tão-pouco, recomendável... linguisticamente falando.
Só se esse funje* com bagre e muamba de dendém tivesse sido preparado pela Mamã Kuíba é que ele voltaria às raízes. Lá, no mercado dos ‘Congolenses’, cada prato é melhor que o outro. Às vezes, mesmo os adultos parecem crianças. Pedem bife, mas depois já querem mufete, e depois calulu, e depois galinha ou cabidela de cabrito.
As culpadas de tudo isso são as cozinheiras. Há um toque de magia naqueles quitutes que só uma boa ‘garfada’ explicaria. A Mana Zefa da Tourada – um dos projectos da chefe Rosa – já me convidou a almoçar.
E lá estive. Deu-me de aperitivo uma kihanza refogada com cebola e alho... só olhando é que eu percebia que aquilo era catato. De olhos fechados, jurava que estava a comer costeleta grelhada.
«Isso ainda não é nada, meu filho. É só a entrada. Quando vier o prato principal, vais querer lember os dedos», disse Mana Zefa. «Mesmo quando a tia Rosa veio visitar-nos, pediu bis», acrescentou.
Claro que não questionei, embora ainda tenha muitas dúvidas sobre o local em que o ‘restaurante’ está localizado – dentro de uma rotunda. Aí, os carros chegam muitas vezes a roçar a fatalidade. Ainda assim, devido aos temperos feitos de um jeito peculiar, muito boa gente, mesmo sabendo que não está correcto, insiste em (ir) lember os dedos sujos de muamba ou de choco grelhado.
‘Lember’, seja o que for, não é um comportamento invejável. Raras vezes as pessoas têm a paciência de lavar as mãos antes das refeições. Esses locais, para aumentar o perigo à saúde, não oferecem condições para tal. E o mais grave é que muita gente lembe e lembe mais e não (se) dão conta de que podiam ao menos ‘lamber’ os dedos em casa, de forma discreta, depois de bem higienizadas as mãos. Nessas condições, não se pode condenar quem lamba os dedos depois de um bom bolo de chocolate.
Por isso, lember, NUNCA – porque está errado. Lamber, sim. SEMPRE que as mãos estiverem limpas.
* Funje, com j, tal como escreve o autor (ou fúnji) – e não como se regista na Wikipédia, com g. Funje (= fúnji), porque vem do original quimbundo e quicongo funji. «Pirão ou massa cozida de farinha [geralmente de milho, sorgo, mandioca ou batata-doce] que serve de conduto a vários alimentos». O mesmo que «pirão de farinha de mandioca com um molho». [in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea + Grande Dicionário da Língua Portuguesa + Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves + Vocabulário Ortográfico Português.]
Crónica publicada no semanário luandense "Nova Gazeta", no dia 9 de abril de 2015, na coluna do autor, "Professor Ferrão". Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.