Os erros na conjugação do futuro do conjuntivo do verbo ver entre alguns falantes de português em Angola, e também presentes na produção de falantes de outros espaços da língua portuguesa, são o tema abordado por Edno Pimentel, em mais uma crónica na sua coluna Professor Ferrão, do jornal angolano Nova Gazeta.
Se não é o tio que partiu a perna, é o avô que passou mal, ou então vai trabalhar até mais tarde. Tinha sempre uma desculpa para faltar às aulas. Os colegas e os amigos já se estavam a fartar de lhe transmitir os recados das tarefas e lições de todas as sextas-feiras. «Até nem sei, sou mesmo azarado», diz o João.
Só os que não o conhecem acreditam nesses azares de sextas-feiras que não são 13. «Desta vez ele vai rir», prevê um colega aborrecido com as “desgraças” que só o João tem em prenúncio de fins-de-semana.
Na sexta passada, o professor de Filosofia marcou, para segunda-feira, uma prova oral, chamando atenção sobre os capítulos que sairiam para a avaliação. Neste dia, ou seja, nesta noite, porque eram estudantes do período pós-laboral, os estudantes aproveitaram para tirar algumas dúvidas com o professor, já que as provas do “filósofo” normalmente são de surpresa.
O coração mole do delegado de turma não resistiu e pediu que o seu adjunto avisasse o João: «Se veres o João, dá-lhe o recado», recomendou. «Nãnã ni nã não! Isto não está certo. Sempre o João. Não vês que ele só quer ‘sambar’. Não aviso nada a ninguém», indigna-se.
Tem os seus motivos para revoltar-se contra o João e, como é natural, o delegado também terá para usar incorrectamente se veres, no lugar de se vires – futuro do conjuntivo do verbo ver.
Evita-se, às vezes por descuido, as formas correctas de ver no futuro do conjuntivo que são: (se/quando) eu vir, tu vires, ele vir, nós virmos, vocês/eles virem1, com o receio de se usar o verbo vir. Importa lembrar que para este último, as formas correctas no futuro do conjuntivo são: (se/quando) eu vier, tu vieres, ele vier, nós viermos, vocês/eles vierem.
As formas eu ver, tu veres, ele ver, nós vermos, vocês/eles verem existem, mas são usadas num contexto diferente. Por exemplo: «Vem para veres a minha cidade».
O delegado deverá correctamente dizer “se vires o João, dá-lhe o recado.
1 Estas formas são derivadas da segunda pessoa do singular do pretérito perfeito simples (viste).
In jornal Nova Gazeta, de Luanda, de 25 de abril de 2013, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.