Era uma daquelas discussões como a do ovo e a galinha. Não levam a nada, salvo se há, por ali, algum tropeção... linguístico. É o que aqui nos conta o autor em mais uma crónica na sua coluna “Prof. Ferrão”, no semanário angolano Nova Gazeta, do dia 14/08/2014.
Quase que nunca intervenho nesse tipo de discussões, porque parecem intermináveis. Tentar, por exemplo, convencer o céptico do meu vizinho de que o ovo surgiu primeiro que a galinha é como querer convencer o Nandinho de que existimos graças a um ser divino, que está no meio de nós, e que nos quer ver bem e felizes, mas que deixa tudo a nossa conta e risco.
O meu vizinho, à semelhança do Nandinho, defende que «quem nasce cuida» (perceba-se que nascer aqui tem valor de «gerar», «ter filhos»), ou seja, que tem filhos nunca os deixa sofrer.
Um outro, de uma certa igreja, defende que, por muito amor que sintamos por eles, os filhos, há coisas que não temos como impedir que eles façam. «Eles crescem, aprendem sobre o mundo à sua volta, tomam consciência e rumo próprios e nem sempre, por mais errados que estejam, conseguimos convencê-los de que aquele é o caminho certo ou errado», argumenta.
«Porque há então guerras e milhares de pessoas a perderem a vida de forma leviana? Porque não impedem as crianças de morrerem de fome, de serem violadas e maltratadas? Se Ele existe mesmo como dizes, por que adoencemos», questiona o meu vizinho.
E a conversa durou horas e horas e, como já esperava, a conversa não teve fim. Por isso é que prefiro abster-me de discussões como a do ovo e a galinha.
Não sei a que temos de dar (essas) graças, mas deve haver alguém/alguma coisa que não nos permite ‘adoencer’. Quem sabe daqui a alguns tempos, com o evoluir das coisas e com as mudanças a que as línguas estão sujeitas, venhamos a ter um novo verbo, possa derivar directamente de ‘doença’.
Mas não é o caso por agora. A palavra (o verbo) correcta é adoecer (do latim addollescĕre) que significa «tornar ou ficar doente», apesar de ter na sua base de significado a palavra doença (ou doente).
Esta é, sem dúvida, uma pergunta que muitos cépticos, como Nandinho, querem ver respondida: «Se Ele existe, porque adoecemos?
texto publicado no semanário luandense Nova Gazeta, no dia 14 de agosto de 2014, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.