«Saco», em Portugal – que, no Brasil, «remete, ente outras coisas, ao bolsão anatômico em que estão guardados os testículos de um homem». E qual é o sentido, de um lado e de outro do Atlântico, de «puto», ou de «tachos», ou de «pixeleiro», ou de «camiseta»? E de «broche»? E quanto à expressão «anda para a minha beira»? Texto propositadamente dirigido para “brasileiros principiantes” nos usos linguísticos portugueses – escrito em 28/12/2004, quando o autor vivia em Portugal. Transcrição, com a devida vénia, do sítio na Internet do "Observatório da Imprensa" brasileiro.
«Ao sair, queira, por favor, mostrar o seu saco.» O aviso enorme está á porta de um bricabraque perto da minha casa. E sempre que o vejo penso na confusão que poderá provocar na cabeça de um brasileiro desprevenido e principalmente convencido de que fala a língua do país.
O idioma, de fato é o mesmo. Mas como é diferente! Saco, que no Brasil remete não somente ao receptáculo de papel ou pano, mais comprido do que largo, aberto em cima e fechado no fundo e nos lados, mas também, ente outras coisas, ao bolsão anatômico em que estão guardados os testículos de um homem, em Portugal quer dizer simplesmente bolsa, de mulher ou de homem. Que também pode ser mala ou carteira.
Essa é apenas uma das pequenas peças que o idioma pode pregar ao desavisado que chega a Portugal com um sorriso vencedor de quem pensa: "Aqui falam a mesma língua".
Não se espante ninguém por ouvir de um exemplar pai de família português que está muito preocupado com o seu puto. Porque ele estará simplesmente a referir-se ao filho. Puto aqui é menino, rapazote, na mais inocente das linguagens. Embora o feminino puta tenha rigorosamente o mesmo significado cá e lá.
Língua do norte
A primeira vez que comprei um paletó em Portugal (que aqui se chama casaco), pareceu-me grosseiro da parte do vendedor prevenir-me que o primeiro modelo que eu experimentava não me caía bem no rabo. Expressão simplesmente generalizada e amável que um português usa para referir-se às nádegas, também chamadas de nalgas. O bumbum das nossas crianças aqui é rabinho.
Há pouco tempo, tendo vindo fazer umas horas de faxina em minha casa, uma senhora brasileira recém-chegada a Lisboa, saída de uma biboca do Espírito Santo, olhou com ar de pânico, sem entender nada, quando minha mulher, portuguesíssima, lhe falou:
– Mostro-lhe depois o sítio em que se guardam os tachos.
Não havia à vista nenhuma daquelas bacias largas e rasas, com alças laterais em asa, normalmente feitas de cobre, a que no Brasil se dá o nome de tacho. E que história seria aquela de guardar tachos em sítio?
Acorri em socorro da compatrícia e explique-lhe: tacho é o nome que aqui se dá à nossa panela; panela é o nosso caldeirão, assim como frigideira é sertã e tampa de panela pode ser texto. E sítio quer dizer lugar. A pequena propriedade rural que chamamos de sítio designa-se aqui por quinta. Herdade é fazenda. E fazenda não é qualquer tipo de tecido, mas especificamente o tecido pesado, para roupa de inverno. Lã de preferência.
Também regionalmente há diferenças de linguagem que são verdadeiras armadilhas para quem chega por aqui falando brasileiro. Morei cinco anos no Porto. E logo que me mudei para Lisboa, julguei estar sendo claro ao perguntar a um amigo se podia indicar-me um pixeleiro. O homem arregalou os olhos, sem entender. E foi preciso explicar muito para que ele compreendesse que o pixeleiro do norte é, em Lisboa, o canalizador, profissional que no Brasil chamamos de bombeiro hidráulico.
«Bué de feia»
Pior foi o carioca que, com o seu jeito debochado, entrou sorridente numa bijuteria e disse à jovem vendedora que está à procura de um broche. Causou no mínimo um grande embaraço, porque broche é o palavrão que os portugueses usam para designar felação. O nosso broche, mais inocente, aqui é alfinete.
Em Portugal jogador de futebol usa camisola, palavra que equivale mais ou menos à nossa camiseta. E mulher nenhuma vai para a cama de camisola, mas de camisa de dormir. Ao deitar-se, homem e mulher repousarão as cabeças em almofadas e não em travesseiros. No máximo apoiá-las-ão em travesseiras, abreviação de almofadas travesseiras.
E se você tiver ouvidos sensíveis a incorreções gramaticais, prepare-se para sofrer. Porque português não negocia, mas negoceia. Não premia, premeia. Não diz encarregado, mas encarregue. E ultimamente vem consagrando como correta a palavra perca, em lugar de perda.
Quando alguém lhe disser «anda para a minha beira», aproxime-se. Se disser «fique ao pé de mim», permaneça junto a esse alguém. E desapareça imediatamente da sua presença se, irritado ou enraivecido, lhe disser «ora, vá dar uma curva» ou então «desampara-me a loja».
Giro é engraçado. Fixe é bom ou bonito, equivalente ao nosso legal. Mas se você é mulher e alguém chamar-lhe de camafeu, não pense que está sendo elogiada. Camafeu é uma mulher bué de feia.
Quanto a este bué, escapou-me. É africanismo relativamente recente, proveniente de Angola. Quer dizer muito. Incorporou-se à linguagem dos mais jovens e já é português. Português de Portugal. Porque para o comum das pessoas, português do Brasil não é português, é brasileiro.
"Observatório da Imprensa" brasileiro