A propósito da crise que se vive no ensino público em Portugal, o jornalista Wilton Fonseca comenta a evolução recente da fórmula de agradecimento «obrigado» (texto original publicado no jornal i, em 20/06/2013).
No sábado [15-06-2013], um grupo de professores desceu a Avenida [da Liberdade, em Lisboa] com uma faixa em que se lia «Deixem-nos ser professores, porra!». Pareceu-me um mal menor que um deles (uma mulher) terminasse uma entrevista dada a um jornalista com um «muito obrigado».
O que será mais grave: o comportamento desatinado do governo e dos sindicatos, o “obrigado” da professora ou a linguagem chula exibida na faixa? O Público elegeu a última, conforme mostrou na sua primeira página, no domingo.
Mas falemos do «obrigado». «Obrigado» é parte de uma frase: uma pessoa sente-se grata, sente-se em obrigação perante outra pessoa. Tal como «grato» ou «agradecido», é um adjectivo, sendo portanto flexionado em género e em número.
Ao dizer «obrigado», a professora entrevistada deu voz a uma tendência que já se verifica há anos: uma espécie de cristalização da forma de agradecimento, cada vez mais utilizada como expressão invariável. O emprego de “obrigada” é cada vez mais raro, e mais rara ainda a utilização das formas plurais (no feminino ou no masculino).
O “obrigado” é dos problemas mais frequentes dos falantes do português. Como as pessoas sentem que há ali terreno movediço, recorrem com frequência à hipercorrecção: é assim que vemos homens a dizer «obrigada», julgando que estão a ser muito bem educadinhos. É quase tão estranho como ver um matulão dizer «obrigadinho» do alto dos seus dois metros de altura. Conclusão: o futuro do «obrigado» é uma incógnita. Assim como o «porra» de (alguns) professores.
In jornal i, de 20 de junho de 2013, na crónica semanal do autor, "Ponto do i". Respeitou-se a antiga ortografia, seguida pelo jornal.