Edno Pimentel recria um ambiente intimista para apresentar dois usos angolanos: uma variante popular de umbigo, "imbico", que evoca as formas arcaicas embigo e imbigo; e o uso de nascer como verbo transitivo, na aceção de «dar à luz» (texto original publicado em 31/10/2013 na coluna "Professor Ferrão" do jornal Nova Gazeta).
«Quando as mais velhas te dão um conselho, é bom ouvir ainda com atenção e tentar pôr em prática. Talvez tenham razão. Mas vocês preferem ignorar. Como já estudaram, só conhecem a sabedoria da escola… agora estás a ver?», ralha a tia, indignada com a Rosa por não seguir os seus ensinamentos e lições de vida.
Rosa, que tinha os seus 20 e poucos anos, passava não apenas pela primeira experiência como mãe, mas de mãe duas vezes. Dera à luz a Adão e Eva, gémeos, que, para algumas famílias, constitui motivo de orgulho, mas também de muita preocupação por causa dos míticos cuidados que esses exigem.
De acordo com a tia da mais nova mãe, «aos gémeos não se pode negar um pedido, deve-se evitar que estes se cruzem com pessoas albinas e, na maioridade, o mais velho deve casar-se primeiro».
«Depois não digas que não te avisamos. Se nos desses ouvidos, o imbico do miúdo já teria caído», reforça a tia.
«Eu só fiz o que o médico recomendou. Agora, se o imbico não está a cair a tia não pode dizer que a culpa é minha, até porque…», defende-se.
O que acontece é que nalguns casos, usa-se a cinza do carvão e/ou óleo de palma para fazer cair o cordão umbilical dos bebés em poucos dias. E tem dado certo, diga-se. Rosa, no entanto, não tinha qualquer experiência para lidar com essas coisas e não deu ouvidos, senão às recomendações do médico.
«Minha sobrinha, escuta-me. Quando eu nasci todos os teus primos, foi assim que tratei do imbico. Mesmo a tua mãe quando te nasceu, também usou óleo de palma aquecido para fazer cair o teu.»
O que intriga nisso (“imbico”) é que no latim está presente o fonema /k/ representado pelo grafema c. Terão a tia e sobrinha recorrido à língua morta buscar o c? Quero crer que sim. Mas o que dizer do i? Este, de certeza, não proveio do latim umbilīcu-, que originou o nosso actual e bem cuidado umbigo.
In jornal Nova Gazeta, de Luanda, publicado em 31 de outubro de 2013 na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.