Leciono português há 37 anos e sempre lutei contra o péssimo escrever popular e, pior ainda, de nossas ditas "elites". Tenho sólida formação em línguas européias (falo 27!) e leciono línguas extintas (latim, grego e hebraico) em uma faculdade de Teologia, no Brasil.
1. A bobagem do verbo “acessar”
Não concordo com a defesa do verbo "acessar" em detrimento do verbo aceder. O nosso “acessar” é uma bobagem nascida da verbalização ou da transformação, em verbo, do substantivo acesso, este, sim, grafado com "s" duplo; como criaram o verbo “compromissar” a partir do substantivo compromisso, cujo particípio é comprometido, e não “compromissado".
Poderão alegar que há precedentes na língua, como o verbo processar, derivado do substantivo processo, por sua vez derivado do verbo proceder. Mas a analogia com as demais línguas neolatinas é inevitável.
O nosso "acessar" se diz accedere em italiano, accéder em francês, acceder em espanhol, o que indica que nestes idiomas predominou a lógica e o respeito à morfologia do vocábulo latino (accedere, accessus, um).
2. Clones do inglês
Na informática temos dezenas de exemplos de imbecilidades clonadas de nossa servil submissão cultural ao inglês. O vocábulo fonte, por exemplo, foi clonado do inglês "font", que indica tipo ou caráter usado na língua escrita e impressa. Em nossa analogia idiota o tomamos por fonte, que em inglês é "fountain" no sentido físico e "source" no sentido figurado (“a source of history").
Também o nosso diretório é outra imbecilidade clonada do inglês. Embora o nosso diretório e o "directory" do inglês tenham tido a mesma origem comum do latim directorium; ambos evoluíram em direções diferentes no inglês e no português.
No inglês "directory" é lista ou listagem de palavras em ordem alfabética, daí o "telephone directory" ou catálogo telefônico em inglês. Mas, em português, diretório não é listagem de palavras, mas sim: 1) órgão ou grêmio representativo de estudantes ou; 2) órgão diretor de partido político. Nada, portanto, a ver com listagem de palavras em ordem alfabética. Mais: é uma idiotice clonada do idioma de nossos (até hoje!) colonizadores culturais.
Infelizmente, são os doutos da língua os que mais a sujam. São lenientes para com os barbarismos que hoje são, eufemisticamente, chamados de formas "coloquiais", enquanto as formas da língua culta são denominadas de falar "erudito". Mais uma nefasta influência do esquerdismo infantil que ataca nossos gramáticos: o "escracho" da língua é demagogicamente bem-vindo porque é a "língua do povo", enquanto o falar correto é a língua da «elite» ou das «classes dominantes». A luta de classes chegou à língua portuguesa e hoje em dia o falar bem, o bem usar a mesóclise e o falar corretamente os numerais ordinais (sexagésima sétima delegacia de polícia em vez de "sessenta e sete") virou "esnobismo".
3. A ignorância e a nesciência à solta
No Brasil de hoje, a falência do dever do Estado de levar cultura ao povo encontrou uma saída "honrosa": já que a cultura não pode ir às massas, então legalizemos e/ou regulamentemos a ignorância e a nesciência. Longe vai o tempo em que eu ainda podia recomendar aos alunos que aprendessem o português lendo bons livros ou bons jornais. Se até Paulo Coelho virou "imortal" da Academia em detrimento do Hélio Jaguaribe, o que me resta dizer? Apenas indignar-me.
Artigo inserto no jornal "Público", de 27 de Julho de 2004-07-27