Na semana passada, discutimos duas formas diferentes de tratamento. A base da conversa foi uma história vivida em Portugal por uma amiga. Serviu para vermos que diferença há entre "desculpa" e "desculpe".
Vimos que, na língua considerada padrão, "desculpa" é da segunda pessoa do singular do imperativo afirmativo. Vem do presente do indicativo, sem o "s" final (eu desculpo, tu desculpas; desculpas-s=desculpa).
Na mesma língua padrão, a forma de imperativo da terceira pessoa é "desculpe". Essa forma é usada para "você", "senhor", "senhora", "Vossa Excelência" ou qualquer outro pronome de tratamento-todos da terceira pessoa. No Brasil, na língua falada, as formas do imperativo não obedecem a um comportamento sistemático.
Uma mesma forma verbal -"Saia!", por exemplo- pode ser arrogante ou prepotente em São Paulo e bastante afetiva, familiar, na Bahia.
Essas variações no valor das formas do imperativo afirmativo são reais na língua oral no Brasil. Repito: língua oral.
Já nas mensagens públicas, nos avisos, nas advertências -na língua oral e sobretudo na língua escrita-, a clara tendência -em todo o país- é o emprego da terceira pessoa do singular nas formas do imperativo afirmativo.
Até o impagável Walter Mercado usa a terceira pessoa do singular ("Ligue djá!"), no seu apelo para que você o enriqueça um pouco mais.
Em letras de músicas populares, às vezes se vêem grandes lambanças. Leandro e Leonardo, por exemplo, dizem "Pense em mim, chore por mim, liga pra mim...".
"Pense" e "chore" são da terceira pessoa ("Pense você", "Chore você"). "Liga" pertence à segunda pessoa ("Liga tu").
No português padrão, teríamos duas opções: "Pense em mim, chore por mim, ligue pra mim" ou "Pensa em mim, chora por mim, liga pra mim".
O problema é menos a mistura de pessoas e mais a forçada de barra. Ninguém usa os verbos como faz a letra.
O imperativo negativo também gera fatos interessantes. Se você detesta cigarro e um amigo seu se mete a fumar a seu lado, você imediatamente dispara um "Não fuma aqui!". O que você acharia de ver isso escrito num lugar público -um hospital, por exemplo? Nem pensar. O que se vê é mesmo "Não fume", de acordo com o português padrão. O mesmo acontece quando você está no carro com um amigo que resolve parar num lugar inconveniente. "Não estaciona aqui!" é o que se diz e ouve no dia-a-dia. Que tal isso na garagem de sua casa?
O que se fala nem sempre se escreve. É isso.
Artigo publicado na Folha de São Paulo do dia 1 de Outubro de 1998.