Tendo por contexto a realidade social e linguística de Angola, o professor e jornalista angolano Edno Pimentel foca o oportunismo de uma impropriedade de linguagem: o chamar convite ao que é, na verdade, um bilhete ou um ingresso, que são sempre pagos. Crónica publicada no jornal luandense Nova Gazeta em 24/12/2015.
No princípio até gostei da ideia. Dois convites para uma festa de fim de ano num dos mais famosos resorts que já conheci em Luanda. A este nível, seria a primeira experiência de celebrar a vinda de um novo ano.
Não costumo canalizar recursos nem desperdiçar esforço físico para eventos demasiado "populosos", como festas de fim de ano, ou outros eventos que depois me forcem a recorrer a caldos sugeridos pela ingestão de sumos de lúpulos e com alto teor de substâncias etílicas. A "pelenguenha"1 é algo que não se deve experimentar duas vezes. Para além de uma espécie de claustrofobia. Daí que prefira que as minhas noites sejam guardadas para os poucos sonos e sonhos que mal consigo ter.
Mas não seria o único claustrofóbico do grupo de casais na festa da virada. Aliás, quem não gosta de desbundar sem gastar um único tostão? Já recebi o convite e foi com muito gosto que agradeci, até abri-lo e ver que, no verso, vinha estampado: «Divirta-se muito, gastando pouco, apenas... 45 mil kwanzas.»
Claro que mantive a calma. Devia ter sido um engano e dos piores que tinha visto no mês de Natal. A menos que o meu problema de miopia estivesse a apelar-me para mais uma consulta com o oftalmologista. É sério. Aquele "convite" tinha um preço e dos piores que um professor podia ter em tempos de «perus magros».
E desde quando é que os convites são vendidos? Quando os meus amigos se casaram, não paguei nenhum lwei2, assim como eu não lhes cobrei nada para o meu aniversário deste ano. E pelo que sei, um convite, permitam-me a redundância, serve para convidar, ou seja, para solicitar a presença de alguém. Acho que ninguém deve pagar por ser solicitado/chamado para um evento com um convite.
Um convite é a convocação que se faz a alguém para que esta pessoa compareça, esteja presente ou participe de alguma coisa, como casamento, por exemplo. Ou se quisermos, um convite pode ser considerado como um bilhete com o qual se consegue entrar GRATUITAMENTE num evento ou espetáculo. Por isso, não acho que se deva pagar por ele. Quem tem convite come «de borla»3 numa festa.
O que se deve fazer, quando se quer que os participantes paguem algum valor monetário para um espectáculo ou festa de fim de ano, e se a festa não for para as pessoas entrarem de forma gratuita, são ingressos, bilhetes ou outro sinónimo qualquer, menos convite. Convites não se vendem. Oferecem-se.
Já agora, convido-os a ter – todos – um feliz Natal e um Ano Novo cheio de prosperidade. Só não os convido para nenhuma festa porque os ingressos – e não os convites – custam os «olhos da cara».
1 Pelenguenha: ressaca.
2 Lwei: «Antiga unidade monetária divisionária angolana que correspondia à centésima parte do kwanza» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).
3 De borla: sem pagar, de graça.
Crónica da autoria de Edno Pimentel e publicada na coluna Professor Ferrão do jornal luandense Nova Gazeta, em 24/12/2015. Manteve-se a ortografia conforme a norma ainda aplicada em Angola, anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.