Nos usos do português coloquial em Angola aponta-se nesta crónica do autor no semanário “Nova Gazeta” a deficiente conjugação do verbo corrigir – e logo por quem (e onde) menos se esperaria...
Essa é uma discussão que vem de muito longe. Agora até que melhorou um bocadinho, porque na década de 1990, a situação era pior. Os alunos ficavam amontoados, como que se de mercadoria se tratasse. Salas abarrotadíssimas, sem carteiras, sem quadros em condições e sem outros meios de ensino.
Lembro-me que, em 1994, na sala 5 da escola ‘Angola e Cuba’, no Cazenga, o meu colega e amigo mais próximo, o Didi da Mabor, era o aluno número 102 da lista. E os professores faziam a chamada todos motivados como se estivessem a começar na profissão.
E na época das provas? Era incrível a velocidade com que eles corrigiam as provas. Professores, com cada cinco a seis turmas de mais de cem alunos, sentavam-se na escola, após as aulas, na sala dos professores e, como que com uma lupa, verificavam a caligrafia, os sinais de pontuação e não apenas as respostas. Não importava a disciplina que ensinavam, todos os tinham muito cuidado quando o assunto fosse a língua portuguesa.
Hoje, apesar da insuficiência de salas de aula, já não se vêem turmas com mais de cem alunos, pelo menos nos centros urbanos. As salas têm, em média, 60 a 70 alunos. Ainda assim, o director de uma escola, durante uma assembleia com os seus professores, disse «não entender por que razão os professores, que se candidataram de livre e espontânea vontade, não corrugem as provas».
E essa queixa não vem apenas do director. Alguns alunos já protestaram contra a permanência de um professor que «corruge» mal as provas e atribui notas aleatórias.
Mas eu entendo a razão. É que essa forma verbal ‘corrugem’ não existe, por isso é que, provavelmente, os professores não o fazem.
A forma correcta é corrigem, de corrigir, que se conjuga, no presente do indicativo, do seguinte modo: ‘corrijo’, ‘corriges’, ‘corrige’, ‘corrigimos’, ‘corrigis’, ‘corrigem’. Não há a presença de ‘u’ (no radical ‘corrig-‘) ao longo da conjugação.
texto publicado no semanário luandense Nova Gazeta, no dia 7 de agosto de 2014, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.