O uso na linguagem popular em Angola da forma pronominal do verbo engravidar aqui assinalado pelo autor, na sua coluna "Professor Ferrão", do jornal angolano "Nova Gazeta", de 28-03-2013.
A preocupação surgia sempre que recebesse os familiares do marido em casa. Não só porque se comportavam como se estivessem nas suas próprias casas, mas porque faziam questão de tocar, de alguma forma, no assunto que constrangia aquela jovem senhora.
Após dois anos de casamento, o casal tornou-se muito apreensivo, e com razão. Durante este período, ambos andaram em clínicas para resolver o problema que lhes tirava o sono todas as noites: «Doutor, estamos casados há dois anos e não consigo alcançar» desabafa a jovem com uma lágrima no canto do olho. Mas aquela tinha sido apenas mais uma das várias consultas em busca de um broto. Já estiveram no interior para tratamento tradicional, ela bebeu chá feito com raízes de plantas, comeu cola, gengibre e jipepe, mas nada disso resultou.
Do outro lado, sem saber o esforço do casal, a família do jovem esposo fazia ‘guerra’ para que o filho encontrasse alguém que desse «fruto’» porque, segundo algumas tias dele, «mulher que não se engravida não serve para o nosso filho».
Aos fins-de-semana, quando fossem visitá-los, as irmãs do rapaz levavam os seus filhos para «esfregar na cara» da cunhada o quão bom é ter filhos. «Brinquem, comam. Se vocês não brincarem com o mano, o irmão, qual a criança que vai fazer isso?» insinuava uma das cunhadas.
A jovem sofreu muito. As alternativas esgotavam-se, até que um dia, cansada e desesperada, resolveu reunir a família dela e a do esposo, para juntas encontrar uma solução. Triste e com os olhos vermelhos de angústia, a jovem tinha a certeza de que a infertilidade não iria separar o que foi muito bem unido. E diante de todos, ela começa:
«Será que não percebem que sozinha nunca ‘me vou engravidar’»? É preciso que vocês me ajudem, se de facto nos querem ver felizes» E continua: «Esta é uma questão que nenhuma mulher sem o apoio de alguém, consegue resolver, a menos que seja hermafrodita».
A família agora tem de perceber que as mulheres não ‘se engravidam’. Elas «ficam grávidas» e, para tal, precisam sempre de alguém, do esposo, ou até mesmo de uma inseminação. Para o alívio do casal e felicidade da família, ela «está grávida» e dará à luz em Junho.
In jornal Nova Gazeta, de Luanda, de 28 de março de 2013, na coluna do autor, "Professor Ferrão". Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.