Uma reflexão a propósito da delapidação da língua portuguesa.
Entre avanços (poucos) e recuos (todos), Paulo Portas acabou por ser mais criticado do que o próprio PM na questão das taxas adicionais nas pensões dos reformados. «Deu um tiro mortal na credibilidade do CDS», «desferiu uma estocada fatal na sua imagem», «deitou para o lixo as suas bandeiras», «dilapidou o património político dos centristas» - foram algumas das críticas ao número dois (ou três?) da coligação.
O que me interessa aqui é a expressão «dilapidou o património», que li num jornal, no mesmo dia em que num outro observei «casas delapidadas». O Dicionário da Academia regista uma entrada única para delapidar e dilapidar. Afirma que as duas formas são derivadas do latim dilapidare (de lapis, lapidis, ou pedra) e têm dois grandes significados: por um lado, fazer estragos, causar a ruína, demolir («exército delapidou a cidade»); por outro lado, gastar desmedidamente, esgotar a fonte de uma riqueza («delapidou os cofres do Estado»).
Outros dicionários afirmam que em Portugal é mais frequente utilizar-se delapidar, enquanto no Brasil dilapidar é mais comum. E chamam a atenção para o facto de em latim ter havido o verbo delapidare (tirar pedras, demolir) e o verbo dilapidare (atirar pedras e também gastar, dissipar). A existência das duas formas explicaria a vacilação gráfica no português.
Com "e" ou com "i", a delapidação protagonizada por Portas foi um facto. Muito mais grave do que uma simples questão de ortografia poderia reflectir.
in jornal i, de 16 de maio de 2013, na crónica semanal do autor, "Ponto do i", com o título original "Delapidar". Respeitou-se a antiga ortografia, seguida pelo jornal.