Uma reflexão sobre a palavra "birra", a pretexto ainda da demissão do ministro português Paulo Portas.Crónica do autor no jornal i de 11/07/2013.
A "irrevogável decisão" de Paulo Portas passará à pequena história como uma birra. Nas birras, as circunstâncias pouco contam, o que importa é o resultado. Há malícia e determinação de um lado. Do outro, há uma certa consciência do que está a acontecer. E uma mistura de resignação e de masoquismo. Nos dois lados, uma grande dose de imaturidade.
Os dicionários trazem diversas definições para birra: uma teima caprichosa, mistura de obstinação e de teimosia; uma atitude infantil, que expressa irritação perante uma contrariedade; um sentimento de antipatia, aversão, implicância; desavença que se tem com outra pessoa.
As quatro definições têm alguns traços comuns, que reforçam o tema da infantilidade; há choros persistentes, gritos, soluços e gestos que exprimem agressividade, ansiedade, revolta. Sem se importar com as consequências, o birrento quer aquilo que quer, e quer porque quer; conhece as fraquezas da sua vítima - que ele já estudou e avaliou -, sabe que pode forçar uma situação além dos limites daquilo que seria razoável. A vítima da birra acaba por ceder, pois espera que aquele acesso de birra seja rápido e seja o último. Puro engano.
Todos os significados de birra lembram a crise que os portugueses têm acompanhado. Há ainda nos dicionários uma quinta acepção da palavra que cai como uma luva na anarquia nacional: birra "é o vício que têm certas cavalgaduras de ferrarem os dentes em qualquer objecto, particularmente na manjedoura". Um vício. Nem mais nem menos.
Outros textos do autor aqui.
in jornal i, de 11 de julho de 2013, na crónica semanal do autor, "Ponto do i". Respeitou-se a antiga ortografia, seguida pelo matutino português.