Crónica de Edno Pimentel sobre a forma "soas", curiosa redução de pessoas que é recorrente no discurso oral angolano (texto publicado no jornal luandense Nova Gazeta, em 14/01/2016.
Com o crescimento da cidade [de Luanda], os compromissos laborais, reuniões – e outros –, o corre-corre do dia-a-dia, creche daqui, colégio dali, ‘fau’ (faculdade) dacolá, enfim, há cada vez menos tempo para pensarmos em nós. E quando damos conta, estamos no hospital a tentar curar o ‘stress’ por termos ficado muito tempo ligados ao computador, corrido demais, estudado demais e ficado horas a fio no engarrafamento.
Todo o mundo hoje vive às pressas como se o fim do mundo estivesse à vista. Mesmo para escrever, usam-se muitas abreviações, porque ninguém quer perder tempo. Só que, às vezes, a redução exagerada pode causar problemas na comunicação. Para não falar do que acontece quando as palavras são reduzidas demais na oralidade.
«Hoje, as ‘soas’ não querem perder tempo», ouve-se amiúde em quase toda a parte. «As ‘soas’ fazem e desfazem e ninguém diz nada», repete-se.
É claro que a oralidade tem das suas e nem [pretendo] enfiar os meus pés em terrenos pantanosos com questões de pronúncia ou dicção, mas há coisas que devem ser consensuais. Se dividirmos silabicamente a palavra pessoa, teremos um trissílabo, ou seja, uma palavra com três sílabas: pes-so-a. Mas isso não quer dizer que devamos pronunciá-la dessa forma. A sua pronúncia ocorre como se de um dissílabo se tratasse [pəˈsoɐ], embora no Brasil se oiça mesmo um trissílabo. Mas cá entre nós [em Angola], tenho visto, ou seja, ouvido algum exagero: «as ‘soas»? Deste jeito, já parece uma homónima da forma do verbo soar na 2.ª pessoa do singular «tu soas».
Apesar de ter três sílabas, a palavra pessoa pode, no mínimo, ser pronunciada como se tivesse apenas duas sílabas, mas o ‘p’ inicial deve ser audível. Nem que de forma suave, leve. Mas tem de ser ouvido. Tal como a palavra Setúbal, em Portugal. Silabicamente é dividida Se-tú-bal, Tem três sílabas, mas ouvimos os nossos irmãos lusitanos pronunciarem algo parecido a [sˈtubaɫ], em que o [ə] da primeira sílaba é quase inaudível, embora não saiba, de concreto, se isso ocorre em toda a extensão da ‘Lusitânia’. Não sei aonde foram as ‘soas’ deixar o seu ‘P’.
Crónica da autoria de Edno Pimentel e publicada na coluna Professor Ferrão do jornal luandense Nova Gazeta, em 14/01/2016. Manteve-se a ortografia conforme a norma ainda aplicada em Angola, anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.