«De onde terá saído essa nova e incorrecta forma de pronunciar este verbo regular da primeira conjugação – os que terminam em -ar? Não se pode sair para aí a ‘aquerditar’ em tudo o que nos é dito, sobretudo que se está num programa com audiência invejável como é esse, completamente azulado pelos jovens.»
[crónica do autor, publicada no semanário angolano "Nova Gazeta" do dia 26/03/2015]
A primeira vez que ouvi não dei importância. Preferi pensar que tinha cera nos ouvidos e, por isso, estavam eles – os meus ouvidos – a enganar-me.
Aos domingos, como tem sido de costume, sento-me com a Nené ao colo e conversamos sobre o que ela e eu fizemos na escola e no trabalho. Mas tudo com muito jeitinho e troca de beijinhos e carinho para ver quem cede o comando (controlo remoto) da televisão.
No tempo do Bumbo, da Rua Sésamo e do Delphi e Capitão Vinagre, não havia esses problemas. Às 17 horas, instantes após a abertura da emissão da TPA, a opção era: ou se vê o Bumbo ou se vê o... Bumbo. Nada de Princesa Sofia, Ovelha Choné ou o Comboio dos Dinossauros, à mesma hora dos grandes clássicos ou do telejornal a preto e branco.
Mas não era problema dos meus ouvidos o que ouvira na manhã daquele sábado, que não era azul como o programa juvenil de uma das emissoras de rádio. É interessante. Abordam temas pertinentes e muito curiosos que deixam, muitas vezes, boquiabertos os radialistas.
«(...) É verdade isso que me está a dizer?», pergunta um dos apresentadores.
«É, sim», responde o ouvinte.
«Eu não aquerdito», insiste o radialista.
Eu também não ‘aquerditei’, embora não tivesse sido a primeira vez a ouvir a mesma história. De onde terá saído essa nova e incorrecta forma de pronunciar este verbo regular da primeira conjugação – os que terminam em -ar?
Não se pode sair para aí a ‘aquerditar’ em tudo o que nos é dito, sobretudo que se está num programa com audiência invejável como é esse, completamente azulado pelos jovens.
Para alguns casos, só para minimizar, convém aferir, consultar um professor ou um dicionário. Nestes podemos, sem medo de errar, ‘acreditar’. E eu acreditoque muitos também acreditamque a forma correcta deve ser aquela acreditada (= reconhecida) pelos manuais de referência.
Texto publicado no semanário luandense "Nova Gazeta", no dia 26 de março de 2015, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.