Na linguagem científica não há nada pior do que a ambiguidade. Em jornalismo também. As ideias devem ser transmitidas de forma directa, simples e o menos ambígua possível. Essa é, aliás, uma regra quase geral: convém falar claro! Nos textos que nos rodeiam, contudo, desde algumas peças de mau jornalismo a inúmeros exemplos de literatice opinativa, abundam os subentendidos. Uma das manifestações mais frequentes da falta de clareza é o uso generalizado das aspas. No fim-de-semana passado, visitando um museu dos arredores de Lisboa, li que a vila «adquiriu um novo ‘rosto’ com a reconstrução efectuada». Tropeça-se na palavra e fica-se na dúvida: por que se encontra «rosto» entre aspas? Imagina o autor que alguém pensaria que as vilas têm cara - cara com olhos, nariz e boca - e resolveu por isso explicitar que não era desses rostos que se tratava? Então para que servem as aspas?
Regressado a casa e lendo um texto encontrado na página do Ministério da Educação, voltei a surpreender-me. Sempre ou quase sempre que falava do sucesso dos alunos, a palavra aparecia enquadrada por aspas. Como neste extracto: «Aqueles que têm ‘sucesso’ não precisam muito do professor nem abonam muito acerca do sucesso da escola.» Alguém percebe o que quer o autor dizer? Quer lançar descrédito sobre avaliação dos estudantes, negando pois a capacidade de exames e outros instrumentos para medir o êxito dos alunos? E quer dizer que o trabalho da escola não se pode medir pelos resultados dos seus alunos? Mas não tem a coragem de o dizer explicitamente. São aspas ao serviço da ambiguidade.
texto publicado no semanário Expresso de 23 de Junho de 2007, na coluna Passeio Aleatório