O medo natural das crianças face às agulhas, e a necessidade de o superar durante a campanha de luta contra a poliomielite, está na origem de um neologismo da língua portuguesa, usado profusamente em Angola. Assim nos conta o autor, na sua coluna "Professor Ferrão", no jornal" Nova Gazeta" de 21 de março de 2013.
Foi aquela, a melhor por sinal, a forma encontrada para erradicar a pólio. Durante o longo período que Angola tentou "encontrar-se", tentava também encontrar soluções para os vários problemas que tinha, dos quais a saúde era uma das prioridades.
E como é que se podia resolver aquela questão – a poliomielite? No meio de tantas agruras, havia coisas mais difíceis e pessoas mais cépticas de serem convencidas que uma criancinha.
A solução, como os petizes não suportavam o metalizado brilho picante das agulhas, foi associar a vacina ao sambapito. Assim, foi possível convencê-las de que a estrelinha, nome dado à vacina contra a pólio naquela época, era doce e muito boa como o sambapito.
O Ministério da Saúde adoptou, então, como slogan: «a estrelinha cuia como o sambapito». E funcionou. Deu para vacinar muitas crianças e reduzir significativamente os elevados casos desta doença, pois todos os meninos e meninas, inclusive os papás e mamãs, conheciam e ainda conhecem o delicioso sabor do sambapito e a importância da vacina. Hoje, graças à estrelinha que cuiou e continua a cuiar, há cada vez mais crianças saudáveis e famílias felizes.
Depois do sucesso obtido com o slogan da campanha de vacinação contra a pólio, outras instituições passaram a usar o verbo cuiar para dizer que o serviço e os produtos que oferecem «são bons» e «fazem bem».
Há inclusive uma empresa de bebidas que adoptou "Cuia" como marca de um dos seus produtos. Não é que a minha filha, a Palmira, diz que o «o "Cuia" cuia»? Ou seja, "Cuia" (nome referente ao sumo) cuia (verbo referente a algo ou a alguém que é bom, que faz bem)?!
Apesar de não ter sido formalmente aceite, [a palavra] cuia, com todas as suas acepções coloquiais, é amplamente conhecida e usada por quase todos cá, porque há muita coisa que cuia. A paz cuia, a nossa música cuia, o mufete com feijão de óleo de palma cuia e ver as crianças irem à escola, lindas e saudáveis, também cuia.
Não me vou esquecer, claro, daquilo de que os pequenotes muito gostam: o sambapito, que é o mesmo que chupa-chupa. Doce e com vários sabores, o "sambapito que cuia" deu saúde e alegria a muitas famílias angolanas.
in jornal Nova Gazeta, de Luanda, de 21 de março de 2013, na coluna do autor, "Professor Ferrão". Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.