Uma proposta para a educação
Está assente a convicção de que a qualidade média do ensino em Portugal é má ou medíocre. São muitos os indicadores, nacionais e internacionais, a fundamentar tal percepção. As taxas de insucesso e abandono precoce são altíssimas. As notas médias nacionais dos exames de várias disciplinas são negativas. As que não são negativas são sofríveis. Há centenas de escolas com médias negativas em quase todas as disciplinas. Os conhecimentos dos alunos que terminam um ciclo ou um grau, em quase todas as disciplinas, são muito deficientes. A preparação dos estudantes, tanto técnica e profissional, como cultural e humanística, é insuficiente. Uma enorme percentagem de estudantes que chegam à universidade dá erros de Português, nada sabe de Matemática, conhece mal a História ou a Geografia. O ensino artístico é miserável.
Conforme as circunstâncias e as modas de passagem, escolhem-se uns responsáveis por esta situação. O crescimento rápido do sistema educativo, o meio social, a crise de valores, a falta de autoridade e de disciplina, a incompetência dos professores, os baixos vencimentos dos mesmos, a desorganização do ministério e tantos outros bodes expiatórios são mencionados por todos quantos se interessem ou ocupam da educação. Os métodos pedagógicos também são, evidentemente, referidos com frequência como os principais responsáveis pela crise educativa. A tudo isto e muito mais acrescenta-se a influência perniciosa da televisão e o desinteresse dos pais. E não faltam as alusões ao insuficiente financiamento da educação e às miseráveis condições de trabalho dos docentes.
A discussão sobre as reais causas da situação tão deficiente da educação em Portugal é interminável. Tal como o debate sobre os meios de melhoramento. Não é minha intenção tentar resolver a polémica. Mas há algumas "causas" que, a meu ver, devem ser retiradas do elenco possível. Em primeiro lugar, o financiamento global do sistema. É sabido que Portugal consagra à educação uma das mais elevadas fatias do orçamento público, assim como uma das mais altas percentagens do produto nacional. Poderá dizer-se que o produto é reduzido e que o Orçamento do Estado também é insuficiente. É verdade. Mas o problema é que o produto mede as reais capacidades do país e que a percentagem dedicada à educação é a mais realista das medidas. Para a nossa riqueza, o financiamento da educação revela uma nítida prioridade.
Em segundo lugar, o número de profissionais, aquilo a que se chama os "recursos humanos". Também não parece de todo ser essa uma causa da mediocridade geral. Todas as contas feitas, o número de profissionais relativamente à população, aos grupos etários em idade escolar e ao número de alunos e estudantes, é muito elevado, um dos mais altos entre os países da OCDE.
Finalmente, os equipamentos e edifícios escolares. A insuficiência e a má qualidade destes já foram certamente o retrato (a causa e a consequência) do ensino deficiente. Hoje, já não são. Ainda poderão subsistir situações de pobreza e desconforto, mas a qualidade média é razoável.
Quer isto dizer que, havendo profissionais, equipamentos e recursos financeiros, as causas da crise devem ser encontradas noutros factores. Mas podemos reter a ideia de que a desorganização é uma variável importante e que deve ser muito elevado o desperdício de recursos. Com efeito, se existe tudo ou quase tudo o que é necessário e os resultados são medíocres, forçoso é concluir que a aplicação, as escolhas, as prioridades e os métodos são os responsáveis.
Os programas horários, os "curricula" e a carga disciplinar podem ser causas de insucesso. A própria definição das disciplinas pode ter responsabilidade. Tal como a qualidade dos manuais, a dimensão da matéria e os métodos utilizados. A nova terminologia linguística e a nova gramática que se prepara e de que há já amostras na imprensa são exemplos de decisões erradas, de exagero tecnicista, de inadequação à maturidade intelectual dos alunos e à preparação dos professores. A dissolução de disciplinas clássicas, como a História e a Geografia, dentro de áreas vastas e "transversais", é bem má conselheira. A complexidade técnica de várias disciplinas, incluindo a Matemática, a Física, o "Estudo do Meio", o Português, as Ciências Naturais e outras, com a consequente desadaptação às capacidades dos jovens de sete a 15 anos, é seguramente causa de muito insucesso e má compreensão. A extensão dos programas de muitas disciplinas é absurda.
Estes problemas deveriam ser acompanhados por cientistas e instituições competentes, exteriores à escola básica e secundária, assim como exteriores aos serviços do Ministério da Educação. Estes, em geral, não são competentes para tratar de assuntos técnicos e científicos, por isso recorrem a docentes em vários regimes de requisição, destacamento ou avença. Muitos acumulam essas funções com as de autores de manuais. A verdade é que se criou um universo fechado, propício à estagnação e ao erro. O Ministério [da Educação] poderá ocupar-se da lógica geral dos programas e dos "curricula", mas não dos conteúdos disciplinares, nem dos respectivos métodos, manuais e programas. Por isso considero que seria útil procurar, no exterior deste círculo fechado, energias e competência para melhorar o ensino.
Cada disciplina do básico e secundário deveria ser "monitorizada" por uma instituição universitária, devidamente contratada pelo ministério para esse efeito, com um termo de responsabilidade de cinco a dez anos (renováveis), a fim de poder assegurar estabilidade e capacidade para reformar tranquilamente e corrigir erros. A escolha da instituição (faculdade, instituto, centro, departamento) deveria ser feita após anúncio e concurso públicos. Os candidatos seriam instituições, não indivíduos, mesmo sabendo que é importante que uma instituição tenha um dirigente competente e prestigiado. Uma faculdade de ciências, por exemplo, teria a responsabilidade de acompanhar a disciplina de Física ao longo dos 12 anos de escolaridade. Um instituto ocupar-se-ia de todo o ensino da Matemática do 1.º ao 12.º ano.
Entre os termos de referência, teríamos, por exemplo, a determinação da extensão dos programas, a avaliação dos manuais, a definição do grau de complexidade em cada ano de escolaridade, a progressão disciplinar ao longo do percurso do aluno e eventualmente a elaboração de provas nacionais. Competiria também a essa instituição notar os resultados das avaliações internas e dos exames, advertir escolas, analisar o êxito e o insucesso, fazer recomendações para a formação de professores, elaborar normas e regras pedagógicas. Tudo no quadro de uma disciplina e não no âmbito de ambiciosas e inúteis reformas globais e integradas do sistema.
As vantagens de uma solução como esta, que certamente também teria inconvenientes, são inúmeras. Estaria garantida uma relativa estabilidade de conteúdos e de métodos. Ficaria salvaguardada a independência de uma entidade exterior, não envolvida nas lutas profissionais e ministeriais. Finalmente, conhecer-se-ia o responsável pelo andamento de uma disciplina, assim como pelos programas e pelos manuais, a quem o público, as autoridades e os especialistas poderiam pedir contas.
A experiência vale a pena. Há, evidentemente, riscos. Também as faculdades não estão isentas de defeitos e de predilecção por modas estranhas e paradigmas exóticos. Mas seriam conhecidas e poderiam ser chamadas à responsabilidade. Uma coisa é certa: pior do que é actualmente não será!
* in "Público” de 3 de Dezembro de 2006