Consulta do dicionário, descoberta de palavras em jogos, leitura de textos literários e aprendizagem do Latim permitem ganhar novo vocabulário.
Cristina Pimentel, professora do Departamento de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras de Lisboa, não podia ser mais crítica.
«A Língua, agora, é para consumo imediato, a literatura praticamente desapareceu dos currículos das escolas, os alunos estão reduzidos a um vocabulário mínimo que utilizam mal», sentencia.
«Quem é que lê hoje Ramalho Ortigão e Camilo Castelo Branco?», questiona.
A docente defende que seria importante sistematizar a leitura de obras de autores clássicos e contemporâneos de referência nas escolas, pela sua diversidade e riqueza linguísticas, para que os falantes pudessem adquirir e aprofundar competências lexicais, gramaticais e sintácticas.
Além disso, deveria ser recuperado o ensino do Latim, língua-raiz do Português que deixou de ser leccionada como disciplina obrigatória e tem perdido alunos.
Cristina Pimentel considera ainda que seria enriquecedor haver programas televisivos assíduos de sensibilização para o uso correcto da Língua e questionários de adivinhas publicados em jornais ou revistas desafiando os leitores a testarem os seus conhecimentos.
Professora de Português no Liceu D. Pedro V, em Lisboa, Alice Costa advoga, depois de confrontada pela Agência Lusa com a questão, que poderiam ser organizados jogos de palavras nas aulas que levassem, de forma divertida mas pedagógica, os alunos a ir ao dicionário procurar significados de vocábulos desconhecidos.
«Os nossos alunos não consultam o dicionário. Quando não sabem o significado de uma palavra, é logo perguntar ao professor ou então nem perguntam... Basta olhar para a cara deles para perceber que não sabem...», relata, salientando que os estudantes estrangeiros, nomeadamente russos, são mais aplicados.
O «reforço do papel da escola» no cultivo da Língua Portuguesa tem de passar também, segundo Alice Costa, pela revisão dos programas, que, diz, “abusam” dos textos não literários e são pouco exigentes, e pela formação dos professores em Latim, que deixou de ser matéria obrigatória nos currículos dos estudantes de Letras no Ensino Secundário e no acesso às Faculdades de Letras.
Para a docente, com quase 40 anos de ensino, formada em Línguas Clássicas e que subscreveu uma petição com mais de oito mil assinaturas em defesa do ensino do Latim, esta Língua, embora difícil, “obriga a uma ginástica mental», que se revela essencial na aprendizagem da gramática, «encarada como um exercício de raciocínio».
«A compreensão de um texto em profundidade pressupõe a decomposição mental das coisas. Mas hoje a gramática foi praticamente banida das aulas de Português.
Não vejo uma aberração o seu ensino quando é oportuno», frisa, confessando que professores mais novos lhe têm colocado dúvidas por falta de conhecimentos linguísticos.
Pedro Braga Falcão, tradutor e professor universitário com formação em Línguas e Literaturas Clássicas, considera igualmente fundamental a «aposta no ensino do Latim» nas escolas e nas universidades, pois a Língua, dada a sua «especificidade e complexidade sintáctica e gramatical», permite organizar «de forma única» o pensamento e o uso do Português.
De acordo com o jovem de 25 anos, a preparar o doutoramento em Estudos Literários – Literatura Latina, certas palavras que vulgarmente se afirma que caíram em desuso «continuam vivas para aqueles que estudam ou estudaram Latim».
Por isso, sustenta que uma das causas do empobrecimento do uso da Língua Portuguesa reside precisamente na falta de conhecimentos de Latim.
«É a todos os níveis incompreensível que a maior parte dos professores de Português não conheça a árvore mas apenas o ramo», critica.
Braga Falcão aponta o dedo ao facto de, a seu ver, se ter optado, neste contexto, pela «massificação descuidada do ensino», que formou «em número» professores de Português descurando a qualidade pedagógica e científica.
Um bom professor de Língua Portuguesa, assinala, «tem de ser um mestre, tem de amar o que faz, ter um gosto infindo pelas particularidades da expressão, literatura, léxico, regras, estrutura e ser competente do ponto de vista científico».
Só assim, defende, os alunos poderão sentir-se motivados para aprender, «estudar, cuidar, mimar» a Língua.
Esse cuidado com a Língua – que, para o tradutor, tem de ser constante ao longo da vida – «vem da vontade» de cada um «de saber, de não ter medo de ir ao dicionário, investigar, encontrar».
Aos políticos, jornalistas e a «todos aqueles que têm responsabilidade pública no uso da palavra», o jovem lança um repto: «Leiam, leiam muito e dêem a ler».
in Diário As Beiras, de 17 de Junho de 2007