« (...) O nosso foco, na presente abordagem, não é mostrar quem deve ou não ser professor de Português, mas analisar falsas ideias ou impressões do professor de Português. (...)»
O professor de Língua Portuguesa, em Angola, numa visão ideal, é um indivíduo formado pelo Magistério, ICRA, Escolas Pedagógicas, Institutos de Ciências da Educação, na especialidade de Língua Portuguesa, isto é, alguém que no seu percurso formativo manteve contacto com a Metodologia e Didáctica em Língua Portuguesa. Tal como propôs Castillos (1984, p.27) – é fundamental que o professor possua uma sólida formação pedagógica, isto é, o domínio das técnicas e o conhecimento das metodologias mais importantes da pedagogia actual.
É um facto que o professor de Português não deve ser um indivíduo sem formação sólida em ciências da linguagem nem em ciências da educação. Pensamento muito conhecido apresentado por Sim-Sim, Duarte e Ferraz (1997, p.104-105) «o facto de se ser falante de uma língua não garante o nível de conhecimento reflexivo e sistematizado da referida língua para poder ensiná-la». Quer dizer, a função ou papel do professor de Português vai muito mais além de ser falante da língua, ter boa dicção, conhecer a gramática normativa, saber pontuar, etc., requer, de facto, uma formação.
O nosso foco, na presente abordagem, não é mostrar quem deve ou não ser professor de Português, mas analisar falsas ideias ou impressões do professor de Português, pois a escolha do tema assenta-se na atribuição de responsabilidades exacerbadas ao professor de Português, como um indivíduo capaz de resolver todos os problemas inerentes à língua portuguesa e um olhar crítico a certos posicionamentos do professor de Português.
O curso de Português a nível da graduação, realidade angolana, desenvolve-se em dois polos: (i) ensino — vocacionado para sala de aula, isto é, fazer professor e (ii) pesquisa – voltado à busca, levantamento, enfim, de assuntos ou fenómenos recorrentes na língua portuguesa (mas acabam, igualmente, por realizar actividades docentes). A nível da pós-graduação (stricto sensu) especifica melhor, os formandos deixam de ver o todo como as somas das partes e especializam-se pelas partes, isto é, perfazendo que o indivíduo seja mais conhecedor na sua área, porém, não pressupõe que o indivíduo não tenha insuficiência em uma ou outra coisa.
Alguém escreveu e com o qual comungamos: «faz-se necessário lembrar que o professor de português não tem pleno domínio de todas as situações apresentadas na língua. Ele é também um constante estudioso.» O professor de Português tem seus limites, que lhe fazem que diariamente seja um indivíduo que busca cobrir a sua lacuna. A função docente torna a pessoa num eterno aprendiz, como sublinha Azevedo (2010, p. 117) – o professor [de Português] é um profissional em constante adaptação e (re)construção curricular.
Um outro assunto falso é a distância entre o ideal e real linguístico. O professor de Português belisca o ensino, quando descarta (com atitudes discriminatórias) o uso costumeiro do seu aluno, aliás, faz perceber que o que usa não tem utilidade. Goodman (1990) refere que «a facilidade ou a dificuldade na aprendizagem de uma língua deriva, em larga medida, do facto de a acção didáctica se relacionar ou não com os usos quotidianos e as práticas de língua a que o aluno está habituado». O professor deve saber relacionar o real do ideal linguístico, para que haja um casamento perfeito, evitar o alarde que Anjos et al. apresentam (2020, p. 52) – «na escola angolana, é cada vez mais evidente que a aula de língua portuguesa privilegia o ensino da língua dos linguistas e professores de língua do que a língua que configura o universo representativo dos alunos» e, portanto, que façam dos alunos, proposta apresentada pelo professor Evanildo Bechara, «poliglotas na mesma língua», isto é, capaz de adequarem a sua comunicação de acordo a pessoa e o local.
A terceira ideia, nesta nossa abordagem, é a beleza de pensamento que o professor de Português deixa de apreciar em detrimento da norma-padrão. O professor corrige o aluno enquanto fala, não deixa exteriorizar o seu pensamento, mesmo não havendo um erro de pensamento, porque o professor entende que a norma é sagrada e a mais importante que o pensamento do aluno. Mesquita (2005) considera como um dos males dos professores: um dos erros que os professores – sobretudo os de Português – cometem é, a meu ver, corrigir um estudante enquanto fala.
A última ideia é que o professor de Português deve ser revisor linguístico. Compreendamos que a revisão textual é uma profissão noutras paragens, quer dizer, não exclusiva para os professores de Português. Há especialização em Revisão Linguística, embora, como adianta Adriano (2015), sejam os professores de Português os revisores em Angola, mas são funções diferentes. O importante é que o professor de Português deve escrever bem e não necessariamente ser um revisor.
São muitas ideias ilusórias do professor de português, algumas que a sociedade dá ao professor e as outras que o próprio professor tem da sua actuação profissional. Abandonar essas ilusões é a nossa recomendação.
Artigo de opinião do professor angolano Adilson Fernando Santos, transcrito, com a devida vénia, do jornal angolano O País, do dia 10 de abril de 2024.Texto escrito segundo a a norma ortográfica de 1945.