«Em boa verdade, tanto os alunos portugueses como os brasileiros manifestam sérias dificuldades no uso formal da língua portuguesa, quer oralmente quer por escrito.»
O debate sobre o Português do Brasil em sala de aula está na ordem do dia.
No dia 12 de maio, a Associação de Professores de Português (APP) promoveu uma ação de curta duração subordinada a esta temática. Convidou o linguista Fernando Pestana que fez a compilação dos desafios e dificuldades sentidos pelos professores de Português, enviados a esta associação pelos participantes inscritos. E foram muitos os participantes e as questões colocadas.
Elogiei esta reflexão pela sua atualidade e oportunidade.
Tendo em conta a minha experiência, considero que os problemas que se colocam aos professores de Português com alunos brasileiros nas suas salas de aula passam, essencialmente, pela questão da avaliação do seu desempenho.
Todos nós sabemos que a língua portuguesa ocupa um espaço inquestionável no mundo da comunicação, incluindo o espaço digital, nos nossos dias. É falada por milhões de falantes, os de cá e os de todos os países lusófonos. E todos sabemos, de igual modo, que essa projeção se deve muito à extensão do território do Brasil e ao seu número de falantes. Então, que fazer nas aulas de Português? Avaliar todos os alunos de acordo com a norma europeia ou aceitar que os alunos brasileiros usem a norma do Brasil? Oficialmente, a nossa língua tem estas duas normas.
Há diferentes posições, todas legítimas. Contudo, não podemos fugir a esta discussão nem à tomada de decisão, por quem de direito, por tratar-se de uma decisão de política da língua portuguesa, que terá de responder à pergunta: há duas línguas ou uma só?
Muitos linguistas e académicos brasileiros defendem a autonomia da “língua brasileira” por considerarem que já são muitas as diferenças. Outros, porém, manifestam posições favoráveis à continuidade de uma língua única, com duas normas, sem preconceitos de qualquer ordem.
Em Portugal, muitos professores afirmam que não estão disponíveis para avaliar os alunos brasileiros de acordo com outra norma que não seja a de cá. Outros, por verem esta questão sob outro prisma, por entenderem que temos de nos adaptar às exigências de um mundo novo, globalizado, inclusivo, defendem a necessidade de nos mantermos unidos, até porque o sistema linguístico, na sua essência, não é assim tão diferente.
As diferenças listadas por Fernando Pestana residem na variação lexical, na diferente construção sintática, por exemplo, a colocação dos pronomes na frase, e na questão da pronúncia. Estas diferenças não são determinantes para aceitar a existência de duas línguas e que “o brasileiro” passe a ter o estatuto de língua estrangeira.
Tomemos a decisão que tomarmos, ela é inevitável, face ao crescente número nas escolas portuguesas, em todos os graus de ensino, de crianças e jovens vindos do Brasil. Não podemos ignorar esta realidade.
Por mim, considero sensato que não nos dividamos ou imponhamos a nossa norma no contexto do sistema de ensino português. Todos teríamos a perder.
A solução que pareceu mais ou menos consensual no espaço do debate promovido pela APP é que todos os alunos que estão nas escolas portuguesa estudem a gramática tendo como referência o Dicionário Terminológico. Contudo, no âmbito das outras competências das aprendizagens essenciais, a oralidade e a escrita, faz sentido que, se os alunos brasileiros não utilizarem devidamente as regras da norma brasileira, ou os alunos portugueses não utilizarem as normas da língua europeia, devem ser classificados, utilizando os mesmos critérios, nas suas avaliações escolares.
Em boa verdade, tanto os alunos portugueses como os brasileiros manifestam sérias dificuldades no uso formal da língua portuguesa, quer oralmente quer por escrito. A proposta apresentada aponta para a necessidade de que os professores conheçam as duas normas cultas para que nenhuma delas seja desvalorizada e uns sejam mais penalizados do que outros na correção linguística. Claro que esta regra deve aplicar-se, da mesma maneira, aos alunos portugueses que, por alguma razão, ingressem no sistema educativo do Brasil.
A Escola deve continuar a mostrar as diferenças entre as variedades do português, que confirmam a riqueza do nosso património linguístico, mas tem a obrigação de promover a capacitação do uso da língua portuguesa formal, cuidada. Só ajudando todos a desenvolverem esta competência, contribuirá para o desenvolvimento pessoal e social e a igualdade de oportunidades de todos.
Deste modo, a retórica oficial do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória não será contrariada pela prática, ao estabelecer diferenças na avaliação de alunos que, pelo menos por agora, têm como língua materna o português de um e do outro lado do mar.
N. E. – Sobre a ação de formação aqui comentada, leiam-se também a apresentação que se encontra nas páginas da APP e o registo que, acerca desta sessão, Fernando Pestana deixou no seu mural de Facebook.
Artigo de opinião publicado no jornal eletrónico Viseu Now, em 21 de maio de 2025, e aqui disponibilizado com a devida autorização.