Portugal, o melhor amigo da China - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Portugal, o melhor amigo da China
Portugal, o melhor amigo da China

« (...) O desafio para os portugueses é compreendermos esta oportunidade. Se formos os europeus mais amigos da China, isto constituirá vantagem formidável. (...)»

 

visita do Presidente Xi Jinping, ancorada num passado sólido e risonho de relações com a China e rodeada de textos promissores e propósitos poderosos, estimula a reflexão sobre a estruturação social e cultural das relações luso-chinesa e sino-portuguesa e o papel que podem desempenhar no nosso futuro e nos espaços a que pertencemos. Nós somos um povo de relação, não somos uma potência centrípeta e continental – é neste entendimento que devemos olhar o mundo e construir o futuro, espreitando de modo competente cada oportunidade.

Há vários anos que defendo duas teses que convoco por estes dias. Primeira: Portugal deve definir políticas que, no quadro do sistema de ensino, favoreçam, apoiem e estimulem a aprendizagem da língua chinesa pelos portugueses. Segunda: no combate à desertificação do interior, que atinge níveis extremos de decadência demográfica e fragilidade humana e económica, Portugal deve organizar “choques de desenvolvimento”, que correspondam à edificação de dois pujantes pólos industriais, um no eixo de Portalegre, outro no eixo da Guarda, virados para a exportação, predominantemente para o mercado ibérico e o mercado europeu, e podendo articular-se com parcerias entre os países desses investidores e Portugal para projectos conjuntos noutros países do espaço lusófono.

Esses dois grandes empreendimentos industriais, situados no coração do interior e na proximidade da fronteira terrestre, teriam que ter, como agora se diz, o poder disruptivo de alavancagem do desenvolvimento, rompendo a inércia do declínio e rasgando uma linha ascendente de crescimento. Teriam de ser empreendimentos tipo Autoeuropa, nos sectores automóvel, da electrónica, ou outros de projecção e potencial similares, aptos a criar 3000 a 5000 postos de trabalho directos e mais 2000 a 3000 indirectos em pequenas e médias empresas fornecedoras ou relacionadas, ou seja, com efectiva capacidade de atracção e fixação nesses territórios de milhares de trabalhadores e quadros, com origem noutras regiões de Portugal e em países europeus, asiáticos, africanos e americanos, assim suprindo o actualmente baixo potencial humano dessas regiões. Estes empreendimentos não devem excluir quaisquer candidatos, mas ajustam-se em especial a atrair grandes actores da indústria asiática, com realce para China, Coreia do Sul ou Japão. Deveriam ser concebidos e estruturados com forte envolvimento das autarquias locais, sobretudo das que sedeassem o pólo central de cada empreendimento na região de Portalegre e na região da Guarda, revestindo o figurino de Zonas Económicas Especiais, com condições excepcionais de instalação e actividade, definidos em regimes legais com a duração de 50 anos. Tenho a certeza de que estes períodos de 50 anos, correspondentes a pouco mais de duas gerações, seriam necessários e suficientes para inverter de modo duradouro a rampa demográfica e económica dessas regiões, da doença crónica de acentuado declive e abismo em que estão para um quadro saudável de progresso e crescimento sustentados. Tenho a certeza de que estes dois pólos irradiariam os seus efeitos dinamizadores para os territórios adjacentes, a norte, a ocidente e a sul, beneficiando directa e indirectamente extensas regiões de Trás-os-Montes, da Beira Alta, da Beira Baixa e do Alto ao Baixo Alentejo. E tenho sobretudo a certeza de que sem a ousadia destes passos disruptivos não conseguiremos vencer o enorme e dramático desafio com que estamos confrontados no interior do país.

Não excluindo qualquer outro, a China salta imediatamente ao espírito, quando pensamos em projectos deste tipo e com tamanho fôlego e compromisso. Seria um grande pilar onde ancorar as novas relações luso-chinesas e estruturar em Portugal o abraço da Eurásia.

Mas há uma raiz e uma seiva mais profundas para servir e alimentar este relacionamento sino-português e o qualificar como quadro de verdadeira e genuína amizade. É o recíproco conhecimento das línguas. Tendo falado e escrito várias vezes a este respeito, recordo ideias de um pequeno ensaio que publiquei há cinco anos, na Universidade Católica – “Português e mandarim: as línguas portuguesa e chinesa como línguas globais”.

Temos de usar e valorizar não só a consciência da nossa própria língua como uma língua global, mas também a nossa aptidão para a aprendizagem e o manejo doutras línguas, o multilinguismo. Temos de entender e antecipar que o mandarim, a língua oficial chinesa, é uma grande língua não só já no presente, mas sobretudo no futuro. Com o crescimento económico, a expansão comercial e a divulgação cultural da China, o mandarim será cada vez mais uma língua global. E terá muita vantagem quem souber comunicar nessa língua.

Devemos investir na aprendizagem do chinês. Assim como há cada vez mais chineses a aprender português, deve haver cada vez mais portugueses a aprenderem mandarim, na linha da procura que, aliás, se tem gerado e crescido de modo natural. Temos de definir e incrementar políticas oficiais do Governo e doutras instituições que fomentem a aprendizagem da língua chinesa entre os jovens. Não me refiro só ao estudo especializado e ao conhecimento da língua e cultura chinesas para intérpretes, tradutores, estudiosos ou outros especialistas. Refiro-me à popularização da aprendizagem do mandarim como formação meramente complementar: o advogado que fala chinês, o economista que fala chinês, o engenheiro que fala chinês, o arquitecto que fala chinês, o técnico oficial de contas que fala chinês, o gestor que fala chinês. Sendo o multilinguismo uma das ferramentas da globalização, quanto mais portugueses falarem chinês, maior será a nossa vantagem no quadro do mercado global.

Não serão só os jovens portugueses que falarem chinês que terão emprego e carreira garantidos em qualquer país onde se fazem cada vez mais negócios com a China e em que a fluência na língua chinesa se torna qualificação de primeira grandeza. Jovem português que fale português, inglês e mandarim; ou português, espanhol e mandarim; ou português, francês e mandarim; ou português, alemão e mandarim – tem futuro assegurado em qualquer parte do Mundo e em qualquer área profissional que exerça.

Mas é também a certeza de que esses jovens portugueses ascenderão rapidamente a lugares de topo nas respectivas empresas ou instituições, já que a qualificação em língua chinesa fará requisitá-los para funções directivas ou de aconselhamento e assessoria imediata da direcção. Ou seja: o movimento de portugueses a tornarem-se fluentes em chinês reverterá num recurso fabuloso da economia portuguesa, colocando-os em posição privilegiada de informação, de conhecimento e de acesso quanto às grandes avenidas e correntes de relacionamento comercial e de investimento entre a China e a Europa, a China e África, a China e as Américas

O desafio para os portugueses é compreendermos esta oportunidade. Se formos os europeus mais amigos da China, se proporcionalmente nos tornarmos os europeus mais fluentes em mandarim, os europeus mais conhecedores da cultura chinesa, isto constituirá vantagem formidável: de conhecimento, de especialidade, de interesse, isto é, de parceria.

Temos que saber antecipar para assumirmos a dianteira. Sermos fluentes em mandarim, fazer esse casamento e consolidar a parceria português/mandarim e mandarim/português, é assumir a dianteira da globalização: abraçar todo o Mundo a partir do abraço cultural das duas pontas da Eurásia. É viver, irradiar e ampliar a metáfora de Macau: lugar e gentes de cruzamento de culturas, lugar de comércio e pólo de investimento, agora por todo o Mundo e com âncoras de desenvolvimento também em Portugal e a partir de Portugal.

Fonte

in  jornal Público de 6 de dezembro de 2018, escrito segundo a anterior norma ortográfica, conforme opção do autor e do jornal português.

Sobre o autor

José Ribeiro e Castro (Lisboa, 1953) é um político e advogado português. Foi deputado à Assembleia da República, entre 1976 e 2009, e secretário de Estado adjunto de Diogo Freitas do Amaral, nos governos de Francisco Sá Carneiro e Francisco Pinto Balsemão. Em 2004, foi eleito deputado ao Parlamento Europeu, onde foi vice-presidente da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais. Foi diretor-geral, diretor de informação, consultor jurídico e administrador da TVI.